sexta-feira, 3 de maio de 2013




MATAR É FÁCIL: DIFÍCIL É NÃO MORRER.


Nos últimos meses, ando e andam falando e pensando muito sobre questões relativas a mortes por arma de fogo. Isso se deve ao aumento da violência praticada com armas de fogo no Brasil e também por episódios nos EUA, como os atiradores em escolas que levaram o presidente Obama a iniciar uma campanha por um maior controle sobre a venda de armas no país. E, mais recentemente, pela morte acidental de uma garota pela arma de um garoto.
Vejo, aqui neste meu Brasil, muita gente “escandalizada” com a relação que os norte-americanos tem com as armas de fogo, por exemplo. Essa é uma discussão antiga, na verdade, que remete às características históricas da Constituição dos EUA e de sua própria cultura.
Nos EUA, a Constituição entende que é direito do cidadão proteger-se e defender seu patrimônio e sua vida, entrando aí a liberdade para a compra e porte de armas de fogo de qualquer espécie, sejam automáticas, semi-automáticas ou manuais e de qualquer calibre que o cidadão deseje ou prefira. Como o federalismo nos EUA é bastante diferente do federalismo no Brasil, tradicional e historicamente “contaminado” pelo autoritarismo e pelo centralismo excessivos, cada estado pode determinar o grau dessa liberdade de compra e porte de armas. Como resultado disso, em alguns estados, há uma enorme liberdade para isso, bastando ir à loja e comprar, como se compra qualquer outro produto – e há lojas imensas, verdadeiros “supermercados” de armas e munições onde o cidadão passei, escolhe... e enche seu carrinho. Já em outros estados, há um controle bem maior, exigindo alguns documentos, registros mais precisos e venda controlada de munição.
Tradicionalmente, os estados do sul e do Oeste, são os estados onde há maior liberdade, e, por via de consequência, os estados do leste e do norte são os estados onde há maior controle – destacando o estado de Nova Iorque, que é o estado que mais controla a venda de armas e munições e o porte de armas.



(Loja de Armas nos EUA)

Pois bem, isto posto, prossigo dizendo que comecei a pesquisar sobre o assunto, mais profundamente. Principalmente por conta de comentários estapafúrdios e estruturalmente contraditórios que encontrei por aí, especialmente nas redes sociais, claro, que colecionam todo tipo de besteira que antigamente circulação à boca pequena, mas que hoje as pessoas disparam a esmo por aí, evidenciando as mais curiosas teorias que vão desde o primarismo calcado sobre desinformação, até as conspirações mais cabeludas, calcadas, provavelmente, em sérios problemas de deformação pessoal ou doença mental mesmo.
Por outro lado, fiz uma espécie de mergulho nas minhas mais tenras memórias e experiências envolvendo as armas de fogo. Neste processo, descobri um Brasil um tanto “pessoal”, e talvez até jurássico, o que não é de se espantar, já que não sou mais um garoto há pelo menos algumas décadas – isto tem se mostrado, no Brasil em que vivo hoje, uma virtude inestimável e uma ferramenta da maior utilidade, diante de uma superficialidade absoluta e do espaço conquistado por formas de pensamento e ideologias de uma fragilidade total mas de grande efeito “midiático”. Em resumo, e para não alongar este aspecto da coisa, gostaria de afirmar a minha imensa felicidade em NÃO ser jovem no Brasil de hoje – é realmente um alívio enorme já ter certos valores formados, diante de um país onde os valores e as convicções tem a substância de uma casquinha de sorvete.
Mas, afinal, que Brasil foi esse que descobri em minhas memórias? Descobri um Brasil armado e onde as estatísticas de crimes por arma de fogo eram, curiosamente, percentualmente muito menores.
Pelo menos o meu Brasil, o Brasil do meu cotidiano desde a infãncia até o início da idade adulta – que antigamente ficava lá pelos 18 anos e que hoje pode chegar aos 35, 40 anos. (Conheço “adolescentes” com essa idade... Mas isso é outra história...)
Desde muito garoto, convivi com armas de fogo pra todo lado. Meu pai é natural de uma cidade do interior de Minas, cidade onde mora ou morava boa parte da família – tios, primos, avó, etc, e onde a presença de armas de fogo era constante. E não creio que isto seja específico desta cidade, já que outros amigos de escola e mesmo da rua e do bairro onde eu morava, em Belo Horizonte, partilhavam desse mesmo convívio com armas de fogo
Quando ia com meu pai e família para a fazenda, sempre havia mais de um tipo dessas armas. Nas casas dos moradores, chamados por lá de “colonos”, pessoas simples, a presença das armas de fogo também era absolutamente comum – portanto, não era um privilégio dos donos da fazenda, como alguns, precipitadamente, poderiam pensar. Vários deles “fabricavam” as próprias armas.
Eram armas, na maioria, antigas, que haviam sido adaptadas a algumas “modernidades”, como por exemplo, o uso de cartuchos de munição. Vi muitas e muitas armas cujas coronhas foram mantidas, e até mesmo algumas partes dos mecanismos de disparos. Mas que haviam sido transformadas das antigas “polveiras” - como o pessoal chamava na “roça”, para armas que disparavam cartuchos, dos mais variados calibres, mas, na maioria das vezes, eram as famosas “cartucheiras”, variando entre o calibre 24 - as menores, e o calibre 12 – as maiores. Com um cano ou dois, elas dominavam o ambiente.
Mas havia também as “garruchas”, calibre 22, na maioria das vezes, carregadas pelo cano, como as cartucheiras, com capacidade para 02 disparos em sequência – o mais curioso eram os dois gatilhos, já que havia um “cão” para cada cano da arma, à moda das armas mais antigas. E ainda sobrava espaço para os revólveres e pistolas modernas, até mesmo semi-automáticas, as catucheiras de repetição, e também os rifles de ferrolho e espingardas do tipo “punheteira”, como eram popularmente conhecidas, que nada mais são que armas de repetição recarregadas por algum mecanismo que ejetava e recolocava a munição na culatra acionada pelas mãos do atirador.
Desde pequeno, convivia com gente armada, com armas expostas nas paredes nas casas, com histórias da caçadas e conversas sobre as melhores armas de fogo que fulano ou beltrano tinham ou desejavam
Meu pai me contava histórias das caçadas do meu bisavô Adolfo Cisalpino. Gostava de caçar, tinha armas e também cães perdigueiros treinados para essa atividade. Ouvia também as histórias dos outros tios fazendeiros, como o Tio Geraldo, o Tio Vate... Todos tinham armas em casa, caçavam e/ou andavam por aí armados em algum momento da vida.
Meu pai também viajava com os amigos, frequentemente, para caçar e pescar. Me lembro inclusive de uma história em que ele e os amigos, voltando de uma caçada em Paracatú, foram parados por uma barreira de militares, na entrada de Belo Horizonte (enquanto caçavam, os militares tomavam o poder no Brasil, em 1964). Acontece que, nesse momento tenso de nossa história, ele e os amigos se viam parados diante de militares fortemente armados, dirigindo um carro cujo porta-malas estava repleto de rifles e espingardas – não era, com certeza, a melhor das situações. Foram salvos pela carteirinha de oficial do exército de um dos amigos, que era médico do hospital militar de BH . Graças a essa carteirinha, foram liberados sem que o carro fosse revistado.



(Meu bisavô, Adolfo Cisalpino de Carvalho, e seus cães, caçando. Foto de 1929)

Por volta dos meus nove anos de idade, comecei a ter contado mais direto com as armas de fogo. Meu pai me apresentou uma espingarda 22, “punheteira” , ou seja – de repetição, que ele tinha ganho de presente de um delegado da cidade de Curvelo, se não me engano.
Eu achei aquela arma absolutamente linda, com sua coronha de madeira escura e lustrosa, e aquele mecanismo fantástico no cano que permitia a recarga rápida com apenas dois movimentos. Podia dar até 12 tiros em sequência. Os cartuchos eram colocados em um tubo de metal “escondido” na coronha da arma e conduzidos por molas até a culatra. Você puxava para trás o mecanismo e ele expulsava o cartucho vazio. Com o movimento para a frente, você introduzia um novo cartucho.
Foi com essa arma, aos nove anos de idade, que comecei a aprender a atirar, a manejar armas de fogo e a compreender o que elas eram. Depois aprendi a carregar e disparar com um revólver de tambor, de seis tiros, calibre 22 também, e também com meu pai.
Depois que aprendi a usar a arma, depois que aprendi o que ele – meu pai, julgava necessário para se ter e manusear armas de fogo, ele me deu a arma de presente. Essa foi, portanto a minha primeira arma, da qual tenho grande saudade, pra dizer a verdade: uma espingarda “punheiteira” calibre 22, de fabricação tcheca. Arma de grande precisão e valor, já que recebi ofertas de compra por diversas vezes, de gente que entendia de armas – mas, era MINHA espingarda e jamais iria negociá-la, claro. Eu deveria ter entre 12 e 13 anos de idade, quando ganhei essa arma.
Imgino que um possível leitor desse texto esteja pensando agora que meu pai era absolutamente louco de entregar uma arma a uma “criança” de 12, 13 anos de idade. Talvez sim, se consideramos o contexto de hoje. Talvez não, se consideramos o contexto dos anos 70, quando este fato aconteceu.
O mais importante, na minha opinião, foi o que aprendi com meu pai nessa época sobre armas de fogo. Ele me apresentou essas regras como condições inegociáveis para me entregar a arma. Qualquer uma delas, desrespeitadas uma única vez, implicaria na retomada do presente – portanto, ouvi com total atenção e nunca ousei desrespeitá-las, porque conhecia o meu pai e ele não foi e não é, até hoje, do tipo de pessoa que fala uma coisa e depois diz: “essa é sua última chance. Da próxima você vai ver”. Não. Nunca. Em toda a minha vida. As coisas aconteciam da primeira vez mesmo. Não seguiu a orientação? Não tem outra chance. E eu não iria testá-lo, evidentemente. Perdi todas as vezes que tentei e já tinha aprendido, aos 12 anos, como é que a banda tocava – e devo ressaltar que nunca me senti “oprimido” ou “traumatizado” por causa disso. Sentia, e sinto, muito respeito por quem faz exatamente o que fala. E digo mais: procuro agir assim com todas as pessoas que convivem comigo, incluindo meus alunos.
E o que ele me disse? Quais eram as regras inegociáveis? Segue abaixo:
-Nunca, por motivo nenhum, muito menos por brincadeira, aponte uma arma para uma alguma coisa ou pra alguma pessoa, esteja ela carregada ou não.
  • Se, algum dia, você apontar uma arma para alguém, atire. Mostrar armas, ameaçar alguém com uma arma, é coisa de gente covarde. Nunca mostre ou aponte uma arma a não ser que tenha absoluta certeza que vai usá-la.
  • Armas não são brinquedos. Armas são feitas para matar, mesmo que possam ser usadas como esporte. Disparos de armas de fogo matam, seja qual for a arma. Toda vez que pegar em uma arma, tenha total consciência disso.
  • Se você atirar em alguém, vai assumir todas as responsabilidades disso. Eu direi que você sabia exatamente o que estava fazendo, pode ter certeza disso. Não vou protegê-lo ou dizer que foi acidente.
  • Nunca ande com uma arma, esteja ela carregada ou não, sem acionar a trava de segurança e só destrave quando for atirar.
  • Mantenha a arma descarregada em casa, e guarde a munição em lugar diferente. Escolha um lugar onde outras pessoas não tenham acesso fácil e nunca diga para qualquer pessoa, mesmo da família, e especialmente para crianças, onde você guarda a arma.
  • Nunca empreste a sua arma para ninguém, mesmo que ele diga que sabe usar uma arma: a arma é sua e o que ela faz é sua responsabilidade, sempre, mesmo que outro esteja usando.

Foi, basicamente isso, que ele determinou. Lembro e sigo, todas essas regras, até hoje. E já impus essas mesmas regras a outras pessoas.
Depois que ganhei a arma, levei para a fazenda. Principalmente porque não era uma arma registrada e portanto podia ser apreendida pela polícia. Ela foi para a fazenda escondida sob o banco do carro do meu pai – a conivência entre pai e filho era aceitável, sob certas circusntâncias e regras, como se vê...
Além da minha espingarda, na fazenda havia uma cartucheira de calibre 24, de uso geral – ou seja, todo mundo podia usá-la. E eu a usei muito, desde essa época. Para a minha espingarda e para a cartucheira, conseguia munição em qualquer lugar. Na cidade natal de meu pai, por exemplo, eu comprava munição numa relojoaria, eu mesmo (não, não era um adulto, era eu mesmo). A munição calibre 22 e cartuchos não tinham regulamentação especial, nessa época. Aprendi com o pessoal da loja a comprar cartuchos.
Eram vários tipos de chumbo: chumbos pequenos, que se espalhavam muito, chumbos maiores, que atingiam o alvo de uma forma mais concentrada, e chumbos únicos, que faziam um estrago danado no alvo. Algumas pessoas tinham recarregadores manuais de cartucho e faziam a própria munição. Não era difícil encontrar munição “personalizada” também. Muitos carregavam o cartucho com sal grosso – eram os famosos e dolorosos “tiros de sal”, usados para espantar moleques atrevidos, que roubavam frutas nos pomares, ou pescavam em pesqueiros reservados em terra alheia, por exemplo: sapecavam a pele que era uma beleza, mas, não matavam. Já fui alvo de disparos desse tipo, mas, felizmente, eram de curtíssimo alcance e a gente nessa época corria bem...
Nessa mesma época, as famosas “espingardas de chumbinho” - armas que disparavam pequenos projéteis feitos de um chumbo muito maleável, disparados por ar comprimido, também eram muito comuns e até populares. Muitos dos meus amigos as tinham.
Me lembro, por exemplo, do Chico, do Antônio – esse também tinha um rifle Winchester calibre 44 (lindíssimo!), do Orlandinho e do Maurício: todos tinham espingarda de chumbinho. Andávamos pela rua afora, em Belo Horizonte, no bairro da Serra, com essas armas. Tranquilamente, sem problemas e sem espantar ninguém. Um alvo preferencial, eram os pardais e rolinhas – caçadas totalmente cretinas e sem sentido, cujo objetivo era somente ver quem acertava o coitado do bichinho. Mas também faziamos “guerras”: alguns em um esconderijo e outros em outro. Tinhamos que atirar nos alvos colocados na “trincheira inimiga” - coisa potencialmente irresponsável e perigosa, mas, havia o concenso quase geral, que essas armas “não matavam”. Até o dia em que um garoto do bairro perdeu um dos olhos por causa de um disparo de chumbinho. Daí, a “farra” acabou e o acesso às espingardas ficou restrito.
Fora isso, a única repreensão que me lembro de ter ouvido, na rua, em Belo Horizonte, armado com uma espingarda de chumbinho, foi de um senhor que ficou espantado por eu carregar os cuzi-lo no cano da arma). Ele me disse: “Ei, garoto, você tá doido? Chumbo faz mal pra saúde”. E foi só isso.
Alguns anos depois, a legislação ficou mais severa e eu, mhumbinhos na boca (era mais fácil do que pegá-los na caixinha e o cuspe facilitava introdenor de idade, só conseguia os chumbinhos e os cartuchos para as “cartucheiras”.
Alguns anos depois, nem isso: até os cartuchos passaram a ser vendidos somente para maiores de idade com registro de armas. Claro que essas mudanças na legislação acompanhavam a escala da violência urbana, principalmente.
Aos 18 anos, comprei eu mesmo uma arma. Fiquei em dúvida entre uma pistola automática 765, da Taurus, e uma carabina URCO calibre 38, semi-automática, com carregador para cinco tiros. Acabei comprando a segunda. Comprei na Mesbla, na rua Curitiba, esquina com Afonso Pena, em Belo Horizonte. Tive que preencher registro na polícia civil e tudo mais.
A minha amada espingarda 22 havia desaparecido, em circunstâncias muito pouco esclarecidas e que envolvem pessoas da família, portanto, não vou comentar.
Esse rifle, ficava comigo em casa, em BH, tranquilamente, já que era registrado, mas eu não tinha porte, portanto, ele ficava mais em casa mesmo, e eu não me arriscava a carregá-lo por aí – estavamos nos anos 80 e a situação com relação a armas de fogo havia mudado substancialmente. (Existe uma diferença, pra quem não sabe, entre poder comprar uma arma e poder andar com ela por aí – o chamado porte de arma tem regras mais severas ainda. Hoje, é restrito a pouquíssimas categorias profissionais). Depois, vendi essa carabina para um advogado que queria voltar pra sua terra, no Nordeste, onde tinha recebido ameaças de morte. Nunca mais soube de nenhum dos dois: nem da carabina, nem do advogado. Espero que ambos estejam bem e que nunca tenham matado ninguém.
Nessa época, já não gostava mais de caçar o que quer que seja. Mas ainda gostava de armas e de atirar. Cheguei a frequentar um clube de tiro, com um amigo que tinha grana suficiente para bancar esses luxos. Fora isso, dava uns tirinhos de vez em quando na fazenda, em objetos inanimados.
Meu irmão administrava a fazenda, e tinha um Taurus 38, também sem registro, para o qual conseguia munição de vez em quando com amigos – lembrem-se: estamos no Brasil.
Essa é a minha experiência com armas de fogo, de um modo geral. Andei conversando por aí, e descobri que essa experiência, que eu considerava comum, não é tão comum assim. Com o passar dos anos, ela fica cada vez menos comum e quase clandestina, digamos assim.
Em 2002 ou 2003 - não me lembro, foi promulgado o Estatuto do Desarmamento, depois de uma longa discussão que veio desde 1997. Houve, inclusive, um plebiscito sobre a proibição ou da venda de armas no país. Eu, votei não à proibição – sou um dos que acreditam que possuir armas é um direito do cidadão e acredito que não é necessariamente o porte de armas que é responsável pela violência. Mas, gostaria de ressaltar que o objetivo desse texto não é defender essa posição, e sim discutir os fatores mais determinantes da violência armada no Brasil, incluindo o comércio e porte de armas.
Desde então, comprar armas ficou muito difícil e portar armas, mais difícil ainda – legalmente falando. O governo promoveu uma campanha de desarmamento, sob o argumento de que milhões de armas que eram mantidas em casa, alimentavam a violência, seja através do roubo por parte de marginais, seja por acidentes ou por assassinatos cometidos por pessoas tomadas por uma ira momentânea e que, por terem armas em casa, acabavam disparando contra alguém. Para estimular que as pessoas entregassem essas armas, o governo autorizou que as que não eram registradas o fossem e que as pessoas que quisessem se desfazer delas, poderiam levá-las, sob salvo-conduto previamente conseguido com a polícia, até uma delegacia onde seriam remunaradas em até R$ 300,00.
Dados do governo afirmam que, de 2003 até hoje, foram entregues mais de 600 mil armas, dessa forma. Mas, estima-se em alguns milhões as armas em posse de civis, ainda hoje, no Brasil. E os especialistas continuam atribuindo a essas armas, o imenso número de mortes por armas de fogo no Brasil. É aí que a coisa pega...
A primeira coisa que chama a atenção é o número de assassinatos por arma de fogo no Brasil: foram, em 2011 ´último ano com dados consolidados, arredondando, TRINTA E NOVE MIL pessoas. O que nos coloca em primeiro lugar, NO MUNDO, em números absolutos. Para comparação, nos EUA, onde a compra e porte são permitidos a qualquer pessoa na maioria dos estados, esse número, no mesmo ano, foi de NOVE MIL pessoas. Ou seja: matamos quatro vezes mais, por arma de fogo, com todas as restrições, do que nos EUA, onde, segundo algumas pessoas que conheço, há uma “cultura das armas de fogo”.
Se consideramos as diferenças populacionais entre o Brasil e os Estados Unidos, nossa “vitória” em assassinatos é bem mais expressiva...
E, curiosamente, fazemos críticas aos norte-americanos por esse “amor às armas”... Será ignorância ou será ignorância, de nossa parte, sobre o que acontece no país?
Entre 2003 e 2005, os que defendiam a tese do desarmamento comemoraram: houve uma redução de 8% no número de assassinatos por armas de fogo no Brasil – atribuíram essa diminuição ao estatuto do desarmamento e à campanha a ele atrelada. Entretanto, de lá pra cá, o número de assassinatos por armas de fogo voltou a crescer.
Outro dado importante, é o que afirma que a esmagadora maioria das armas usadas nesses assassinatos, é de fabricação nacional, o que descartaria o contrabando de armas – coisa também absolutamente comum no país, como um componente que alimenta essa violência, desmoralizando o estatuto do desarmamento.
Um dado estatístico que ajudaria a explicar isso, é o que informa que das 60 mil armas registradas no Brasil por empresas de segurança, em torno de 24 mil – ou um terço delas, é roubada em apenas um ano.
Mas, há questões mais graves: recentemente, um policial militar da ROTA, em São Paulo, apreendeu um revólver calibre 38, com numeração ainda em ordem. Levou a arma para a delegacia e descobriu que essa mesma arma, com essa mesma numeração, já havia sido apreendida outras CINCO VEZES pela polícia paulista. Vamos fazer uma pergunta óbvia: como é que uma arma apreendida pela polícia volta para as ruas? Precisa responder, amigo leitor?
Outra questão a considerar: os especialistas, seja no Brasil, seja nas Nações Unidas, afirmam, peremptoriamente  que existe uma relação inegável entre a desigualdade social e a violência urbana e as mortes por arma de fogo.
No Brasil, segundo o governo, a renda subiu, a pobreza diminuiu e está a ponto de ser eliminada definitivamente – novamente, segundo o governo (não vou rir, porque isso aqui é um texto sério, ao contrário dos governos brasileiros). Mas a violência urbana continua subindo... Como explicar isso então?
Senão, vejamos: apesar do desarmamento, as mortes por armas de fogo, que diminuíram por um pequeno período, voltou a subir. Apesar do aumento da renda e da eliminação da pobreza – segundo o governo - a violência continua subindo. Isso, na minha opinião, significa que, se esses argumentos são válidos, como dizem os especialistas, no caso do Brasil eles não são suficientes para reduzir definitivamente o número de mortes por armas de fogo.
Então, e afinal de contas, onde está o problema? Eu, claro, tenho minhas opiniões, que por acaso coincidem com as opiniões de muitas outras pessoas neste país.
Pra mim, e pra muita gente o problema tem nome: IMPUNIDADE.
Neste país, é fácil ma preciso lembrar que, menores de idade podem matar. Serão “apreendidos” por algum tempo e depois sairão, na maioridade, com fichas policiais absolutamente limpinhas, limpinhas – a justificativa é não “condenar” essa pessoas por toda a vida, possibilitando a “recuperação” e reintegração dessas pessoas à sociedade – lindo, mas distante da realidade.
A segunda coisa que é preciso lembrar é que, portar armas de fogo é ilegal e é fácil não ser pego ou ser “perdoado” por isso.
Antes de mais nada, é punível com até quatro anos de prisão. Como é pena “pequena” o cidadão não fica preso, pode responder ao processo em liberdade. Se for reincidente, também não fica em cana, deve pegar um regime aberto, ou semi-aberto, pelo mesmo motivo : penas de até quatro anos são “beneficiadas” com regimes prisionais especiais. As alegações são duas: população carcerária no Brasil é muito grande e as prisões são “universidades do crime” - levar o cidadão pra lá pode piorar a situação, transformando o cidadão em criminoso, definitivamente. Então, deixam os caras pela rua afora, com os outros cidadãos que entregaram suas armas estão desarmados na rua e em casa.
A terceira coisa que é preciso lembrar: a pena máxima no Brasil é de 30 anos. Mesmo que penas se acumulem, não podem passar de trinta anos. E esse período pode ser transformado em prisão por apenas um sexto desse período, ganhando o cidadão “progressão de pena” para semi-aberto, por exemplo, por “bom comportamento” - a estratégia de se declarar “arrependido” e abraçar uma religião, até como pastor ou pastora, tem se mostrado infalível, como demonstra o recente benefício concedido à “Pastora” Suzana Von Richstoffen – a doce garotinha arrependida que mandou matar os próprios pais... Na cabeça das pessoas deste país, quem é religioso não mata, ou mata menos. Talvez se esqueçam que mais de 90% das pessoas, quando são presas, declaram ter religião... Talvez nunca tenham estudado as guerras religiosas pelo mundo afora... Ou talvez tenham se esquecido de certas práticas culturais por aqui: Lampião, só como exemplo, pedia proteção divina antes de cometer seus crimes – e recebia. Não sei o que é mais contraditório...
A quarta coisa a ser lembrada, e que impressiona definitivamente: dos homicídios cometidos, hoje, no Brasil, SOMENTE 8% SÃO RESOLVIDOS. Tradução: 92% dos homicídios cometidos, hoje, no Brasil, vão ficar absolutamente impunes. Ninguém saberá nem mesmo quem cometeu o crime.
Imagino que isso seja um estímulo maravilhoso para se matar alguém: a chance de descobrirem que foi você, no Brasil, é estatisticamentemuito pequena(quem sabe o ENEM não gostaria de colocar uma questão desse tipo em sua prova de matemática, não é?) Somado à brandura das penas, a sensação é, ao meu ver, de “liberou geral”, o que explicaria muita coisa.
Se você quer um termo de comparação: no Japão, 95,9% dos homicídios são esclarecidos. Na Alemanha, 94 %; no Reino Unido, 78% e nos EUA, 68,3%.
Em resumo, na minha opinião, a violência provocada por armas de fogo, no Brasil, não vai cair, nem pelo Estatuto do Desarmamento, nem pela diminuição da desigualdade social (que cai pouquíssimo, por mais que o governo queira dizer o contrário). Ela só vai cair quando a pessoa que estiver atrás do gatilho, tiver a absoluta certeza, antes de puxar o gatilho, que aquele gesto terá consequências sim, pesadas e imediatas, para sua vida.
Caso contrário, essa sensação que temos hoje, de que podemos sair de casa e morrermos baleados, espancados, queimados, por motivos banais, ou por motivo nenhum, vai se tornar cada vez mais comum, até ao ponto em que teremos que reconhecer que no Brasil se morre muito mais do que em áreas de guerra e que nós, a população civil desarmada, nossos filhos, nossas famílias, nossos sonhos e projetos, estão completamente à mercê de qualquer pessoa que queira roubar alguns trocados ou um tênis. E ainda vão dizer que o assassino é que é a vítima de uma sociedade injusta.
Pergunto então: onde está a justiça na morte de um garoto que portava um celular? É por acaso algo proibitivo para a maioria da população? Os números dizem o contrário: há mais celulares que gente, no Brasil. Onde está o crime de uma policial, que nem usava armas por ser lotada em setor administrativo, esposa e mãe, fuzilada na frente da família? Onde está o crime de uma dentista que sustentava toda uma família que agora mal sabe como vai sobreviver? Qual o crime dessas pessoas? Que mau elas fizeram? Trabalhar? Estudar? Ou talvez tenham cometido o maior dos crimes neste país: acreditar que é função do estado proteger seus bens, sua vida, seus direitos básicos?
Valores burgueses esses meus, prezado leitor? Quais são os seus valores não-burgueses? Onde eles podem ser medidos? Na Venezuela, país com um dos maiores índices de violência do mundo? Em Cuba, onde a população vive à mercê de um estado policial e fascista? Na Coréia do Norte, país onde o governo troca paralisação de programas nucleares por cestas básicas? Não me venha com utopias. Vivo uma vida com os pés no chão, onde discurso não paga minhas contas.
Não ouvi, uma única e solitária voz, dos que se auto-intitulam “defensores dos direitos humanos”, no Brasil, protestar contra o livre e impune extermínio de cidadãos pacíficos, desarmados, trabalhadores... Porquê? Porque eram brancos? Porque eram policiais? Porque não viviam em “comunidades”? Esse então o crime delas? A vida dos que classificam como “privilegiados” (que privilégios tinham a pobre mãe de família assassinada? Que privilégios tinha a modesta dentista assassinada? Trinta reais na conta?) é banal para o estado brasileiro? O que querem essas pessoas? Inverter o processo que acusam? Dizem que jovens negros, mulatos e pobres são vítimas do “sistema” (esse ser inexistente...) e são os que mais morrem: é verdade. As estatísticas provam isso... Vamos protegê-los em detrimento dos outros? A ideia é inverter o genocídio? Onde há justiça nisso? Vamos resolver os problemas de toda a sociedade ou vamos selecionar quem merece viver ou morrer, usando critérios ideológicos nada justos ou confiáveis?
Não faço ideia do que pensam os “poguesistas”... Não faço ideia nem se pensam de fato, ou se estão em busca de uma auto-afirmação e realização pessoais criminosas, na minha opinião... Nenhum dos argumentos deles me convence. Nenhuma das ações tentadas até agora resolve ou ao menos esboça justiça e segurança para TODOS – brancos, negros, amarelos, ricos, pobres ou até a Xuxa.
Pra mim, só existem pessoas, que, na absoluta e esmagadora maioria, luta, diariamente, por seus sonhos e pela vida que desejam pra si. E ainda vejo a hipocrisia brasileira criticar os EUA e um cretino ex-candidato a prefeito no Rio de Janeiro dizer que “a culpa individual pela violência é coisa da burguesia para penalizar os pobres e os negros. A culpa é coletiva”... Eu, ao contrário, aprendi que ser homem é assumir suas culpas. Se as desigualdades sociais fossem as únicas responsáveis, já estaríamos todos mortos. Pelo Brasil e pelo mundo afora existem milhões de pessoas injustiçadas, exploradas, humilhadas, mas que nem por isso se acham no direito de tirar a vida dos outros: persistem em sua luta diária e não instrumentalizam seus problemas – e essas constituem a esmagadora maioria.
Muitos países em guerra, são mais seguros que o Brasil. Mortos povoam os noticiários. Mortos de todas os tipos, classes sociais e cor. Enfim, quem viver, literalmente, verá. Boa sorte a todos.

Um comentário:

  1. Tive o prazer de ler tudo isto. Gostei, parabéns. haha. Então como no inicio do texto, você citou: ''...os EUA, a Constituição entende que é direito do cidadão proteger-se e defender seu patrimônio e sua vida...'' Pela constituição é certo, de modo que seja para isso, e também citou na sua infância como funcionava. Penso do mesmo jeito,só se utiliza uma arma com fins de proteger, um passar de tempo que era a caçada.. Hoje em dia as armas de fogo que se diz apreendida, por mim eu acho que circula livremente pela sociedade em assaltos, assassinatos e tantas coisas a mais... Na década de 70 na sua época tinha um parecer de educação e como utilizar uma arma de fogo para que e com qual função... Hoje em dia essas armas andam nas mãos de pequenos adolescente. Adolescente na qual são escolhidos por traficantes ou por falta de condições favoráveis e humanas de sobrevivência que trabalham no crime para sustentar com um trocadinho a sua família, ou até mesmo por segurança de sobreviver obrigado a trabalhar na periferia. O crime organizado começa quando os representantes do nosso queridíssimo Brasil não posiciona verdadeiramente em combater o crime que organizado começa com o colarinho branco para baixo. A violência no nosso Brasil é tão grande por falta da impunidade. Mato hoje, amanha estou solto, fora o dinheiro que o ''governeco'' paga por ''cabeça'' e quantidade de filhos.. Uma vergonha nacional.

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