terça-feira, 21 de agosto de 2012

TOMATES E OVOS PODRES

fOLHA DE SÃO PAULO - 21 DE AGOSTO DE 2012

Julian Assange aparece na janela da embaixada do Equador, em Londres. Prepara-se para falar às massas. Não consegue. Uma quantidade generosa de tomates e ovos podres atinge o seu rosto adolescente e pretensamente rebelde. A multidão aplaude. Os jornalistas também. Acabou o circo.

Envergonhado com a humilhação, Assange regressa para dentro da embaixada. Depois de um duche (frio) e de um café (forte), o foragido australiano decide ser homem pela primeira vez na vida e entrega-se às autoridades inglesas. Segue-se a extradição para a Suécia.

"The end."

Foi mais ou menos por essa altura que eu acordei. Assange ainda falava. Imbecilidades sobre imbecilidades. Infelizmente, ninguém jogou tomates ou ovos podres na cara dele. Deprimi.

Na janela da mesma embaixada, o fundador da Wikileaks vestia o traje de grande mártir da liberdade de expressão --um insulto para qualquer jornalista sério-- e pedia aos Estados Unidos para pararem a "caça às bruxas" contra o Wikileaks.

Na cabeça alucinada e apedeuta de Assange, o comportamento de Barack Obama só é comparável à perseguição anticomunista movida pelo Estado americano a alguns dos seus cidadãos em finais da década de 1940.

A comparação deveria ser repulsiva para qualquer criatura com erudição e neurônios. As perseguições anticomunistas do senador Joseph McCarthy foram uma deriva securitária lamentável contra supostos inimigos ideológicos que Washington suspeitava estarem infiltrados no serviço público, no ensino ou na indústria do espetáculo.

As ações de Julian Assange são diferentes: goste-se ou desgoste-se, houve uma revelação objetiva de documentos secretos do governo americano. As vítimas do macartismo eram inocentes. Assange não é inocente.

Mas esse nem sequer é o ponto. Na janela da embaixada do Equador, em Londres, esteve um homem procurado pela Justiça sueca por alegadas agressões sexuais contra mulheres.

E a Suécia, convém lembrar aos amnésicos, é uma democracia europeia civilizada, onde a investigação judicial é séria, os direitos humanos são respeitados --e as garantias de um julgamento justo também. A Suécia não pretende deter e julgar Assange por seus pecadilhos com a Wikileaks. Deseja detê-lo e julgá-lo pelos seus alegados crimes contra duas mulheres em 2010.

Curiosamente, crimes desses costumavam inflamar as feministas de carteirinha. Não mais. Será que o antiamericanismo de Assange perdoa tudo?

Em caso afirmativo, um conselho ao leitor: violar uma mulher pode não ser grave desde que você seja um inimigo declarado da política americana.

Claro que, a pairar sobre esta grotesca novela, existe um equívoco e uma farsa.

O equívoco, alimentado pelo próprio Assange, resume-se em poucas linhas: se houver extradição para a Suécia, a Suécia poderá extraditar Assange para os Estados Unidos onde ele seria julgado por espionagem (um crime punível com a morte).

A hipótese não passa de um delírio teórico e qualquer aluno principiante de direito internacional sabe por que: o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não permite processos de extradição para países onde existe a séria possibilidade de aplicação da pena capital. Não é a Justiça americana que Assange teme. É apenas a Justiça sueca.

Finalmente, a farsa. E dois nomes sobre ela: Rafael Correa. Honestamente, serei mesmo a única pessoa a sentir genuína náusea quando o presidente do Equador surge em cena como um grande defensor da liberdade de expressão?

Por motivos puramente antiamericanos, o Equador resolveu conceder asilo a Julian Assange. Mas, se Assange fosse verdadeiramente um defensor da liberdade de expressão, ele recusaria os favores de um país onde essa liberdade é artigo raro.

Será preciso lembrar aos colegas de ofício os constantes atropelos que o governo de Quito comete sobre jornalistas críticos do presidente?

O mundo midiático, na sua estupidez bovina, continua a olhar para Julian Assange como um herói da "transparência" e da luta contra o "imperialismo".

Seria preferível optar por tomates e ovos podres. Assange não passa de um foragido vulgar e de um manipulador de massas talentoso.

João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do "Correio da Manhã", o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve às terças na versão impressa de "Ilustrada" e a cada duas semanas, às segundas, no site

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

90 ANOS DA MARCHA SOBRE ROMA





Os grupos de combate formados a partir de 1919 por Mussolini denominaram-se fasci (feixes de varas) que eram as insígnias dos magistrados romanos da Antiguidade e simbolizavam o desejo de uma ordem política vigorosa.
Com a participação da Itália na Primeira Guerra Mundial, a crise latente do sistema liberal tornou-se manifesta e aguda; o país encontrava-se numa situação económica e financeira desastrosa. A aliança durante a contenda com a Grã-Bretanha, a França e a Rússia não trouxeram melhorias substanciais no âmbito internacional nem os benefícios territoriais desejados no Mediterrâneo. Falava-se de uma "vitória mutilada". As tensões sociais cresceram por todo o país.
Neste contexto, desenvolveu-se o movimento de protesto fascista de Mussolini, apoiado sobretudo pela classe média italiana. (...)
Entre 1920 e 1922, a situação política interna foi marcada por lutas operárias e ocupações de fábricas lideradas pelos socialistas, revoltas dos camponeses, rendeiros e trabalhadores rurais contra os grandes latifundiários, assim como pelo terror fascista. Os sucessivos governos liberais e conservadores mostraram-se impotentes perante estes conflitos, que tinham carácter de guerra civil. Tolerados e em parte apoiados pelas autoridades, os fascistas, que se consideravam uma força disposta a levar a cabo uma renovação violenta do Estado, destruíram as organizações socialistas. Em 27 e 28 de Outubro de 1922, Mussolini conduziu 40 mil membros das suas unidades fascistas de Nápoles a Roma. Antes que se desse o confronto com as tropas governamentais, o rei Vítor Manuel III ofereceu-lhe o cargo de primeiro-ministro. (...)
Em 1925 Mussolini tinha um poder quase ilimitado. Os partidos da oposição foram proibidos; as liberdades e o sistema parlamentar, suprimidos; e os sindicatos católicos e socialistas, dissolvidos. Um tribunal especial e a Polícia Secreta consolidaram de forma duradoura o poder dos fascistas.

História do Século XX Década a Década.1920 - 1929. Vol.3, Visão, 1999.