ATUALIDADES . TEXTOS SOBRE ASSUNTOS DIVERSOS DO MOMENTO

Para ampliar o pensamento e a formação de opnião sobre o chamdo “Ativismo Gay”, que pode ser inclusive um tema bastante atual para Redação do Enem, proponho esse texto de Justin Raimondo, publicado na revista American Enterprise. Divirtam-se e reflitam




Um homossexual condena os “direitos homossexuais”


Por Justin Raimondo
Os ativistas homossexuais do passado pediam ao governo que os deixasse em paz. Sua plataforma política consistia fundamentalmente na descriminalização de relações homossexuais entre maiores de idade. Hoje, contudo, à medida em que a tolerância social à homossexualidade cresce, os ativistas homossexuais se voltam cada vez mais para o governo a fim de impor seus interesses à sociedade. Muito embora o poder estatal tenha sido utilizado como clava contra os homossexuais desde pelo menos a Idade Média, os líderes gays de hoje subitamente parecem eles mesmos empunhar o bastão, dizendo: “Agora é a nossa vez”. Isto é uma grande ironia – e uma possível causa de problemas para os homossexuais e convulsão social para a América.
O nascimento do movimento de liberação dos homossexuais na América pode ser datado em 27 de Junho de 1969, quando clientes do Stonewall Inn, um bar para homossexuais em Manhattan, resistiram a uma tentativa da polícia de fechar aquele estabelecimento. Durante três dias, uma rebelião da vizinhança efetivamente impediu a polícia de dar seguimento à antiga tradição de extorsão de bares “gays” e de fechamento dos que se recusavam a pagar propina. Na autuação oficial, os donos do Stonewall foram citados por não possuírem alvará para venda de bebidas alcoólicas. Mesmo que eles tivessem requerido a obtenção do alvará, contudo, dificilmente eles teriam sido atendidos: o órgão estatal responsável por este tipo de licença era notoriamente hostil a estabelecimentos voltados para homossexuais. Assim sendo, os primeiros manifestantes homossexuais modernos estavam se rebelando contra a regulação estatal. De fato, a liberdade perante o governo, genericamente considerado, era uma idéia central do movimento de liberação homossexual.
No entanto, algo fez com que o movimento gay se desviasse deste objetivo originário. Hoje, o intitulado movimento pelos direitos homossexuais vê o governo como o provedor, e não o inimigo, da liberdade. Da medicina socializada, passando pela legislação anti-disriminação e chegando às aulas obrigatórias de “tolerância” nas escolas, não há qualquer tipo de iniciativa para incrementar o poder governamental que estes supostos guerreiros da liberdade não apoiem.
Enquanto as relações homossexuais entre maiores de idade sejam consideradas atos ilegais em alguns estados, eu acredito que organizações dedicadas a legalizá-las têm um assento legítimo na constelação das causas em prol dos direitos humanos. Além deste objetivo estritamente limitado, contudo, um movimento político baseado em orientação sexual é uma aberração grotesca. O fato de que o movimento pelos direitos homossexuais ter assumido uma postura cada vez mais autoritária é a consequência inevitável de se basear compromissos políticos em lealdades tribais, e não em princípios filosóficos.
Numa sociedade livre não existem direitos homossexuais, apenas direitos individuais. Tanto para homossexuais quanto para heterossexuais, estes direitos se fundem num único princípio: o direito de ser deixado em paz. Politicamente, o movimento pelos direitos dos homossexuais deve voltar às suas raízes libertárias. Isto iniciaria o imprescindível processo de despolitização da homossexualidade e evitaria uma perigosa guerra cultural que a minoria homossexual jamais poderá vencer.
Mesmo a “neturalidade” estatal que homossexuais “de centro” como Andrew Sullivan advogam forçaria o governo a tratar a homossexualidade como algo equivalente à heterossexualidade, como se vê nas demandas de Sullivan em prol de um pseudo-“casamento” homossexual e da admissão de gays assumidos nas forças militares. A verdadeira neutralidade, contudo, exigiria não uma aceitação, mas indiferença, desatenção, inação. Um estado neutro não penalizaria nem recompensaria a conduta homossexual. Ele não proibiria nem legitimaria juridicamente o casamento homossexual. Num ambiente militar, um estado neutro submeteria qualquer manifestação de sexualidade à mesma rigorosa regulação.
Os homossexuais devem rejeitar a idéia disparatada de que eles são oprimidos pelo “heterossexualismo”, uma ideologia vil que subordina e denigre homossexuais ao insistir no papel central da heterossexualidade na cultura humana. Não se pode fugir da biologia humana, por mais que tal projeto possa seduzir acadêmicos alienados que imaginam que a sexualidade humana é uma “construção social” alterável à vontade. Homossexuais são e serão sempre uma raridade, uma pequena minoria necessariamente à margem da família tradicional. O “preconceito” heterossexual das instituições sociais não é algo que precise ser imposto a uma sociedade relutante por um estado opressivo, mas uma predileção que surge de forma bastante natural e inevitável. Se isto é “homofobia”, então a natureza é sectária. Se os homossexuais utilizam o poder estatal para corrigir esta “injustiça” histórica, eles estão se engajando num ato de beligerância que será considerado com justiça uma ameaça à primazia da família tradicional.
Mesmo vários homossexuais liberais admitem que o modelo dos “direitos gays” já serviu a todo e qualquer propósito útil que ele algum dia possa ter tido. A idéia de que os homossexuais, especialmente os homens, sejam um grupo de vítimas é tão contrária à realidade que ela já não é mais sustentável. Nos campos econômico, político e cultural, os homossexuais exercem uma influência desproporcional ao seu número em face da totalidade da população, um fato que deu origem a inúmeras teorias conspiratórias. Dos cavaleiros medievais de Malta ao misterioso “Homintern” dos tempos modernos, a idéia de uma poderosa organização secreta de homossexuais é tema persistente na literatura conspiratória, imitando a forma e o estilo da mitologia anti-semítica.
Justaposta à propaganda vitimizante dos últimos vinte anos, esta imagem de poder homossexual com ela se funde para produzir um personagem particularmente antipático: uma criatura privilegiada que não para de choramingar quanto ao seus infortúnios. Se as lideranças políticas homossexuais estão tão preocupadas quanto a um suposto crescimento de sectarismo anti-homossexual, talvez elas devam tomar o cuidado de projetar uma imagem pública menos criticável.
Na condição de contigente especializado de um exército dedicado a empurrar o socialismo “multicultural” goela abaixo do povo americano, o lobby homossexual se alimenta dos piores medos de suas bases eleitorais. Empunhando o espantalho da “Direita Religiosa” a fim de manter as tropas em alerta, os políticos gays apontam para Jesse Helms e dizem: “sem nós, vocês não teriam a menor chance contra este sujeito”.
Entretanto, nenhum grupo religioso de peso jamais clamou por medidas legais contra os homossexuais. A Coalização Cristã, o Eagle Forum e outros grupos ativistas conservadores somente se envolveram em atividades políticas supostamente “anti-homossexuais” defensivamente, trabalhando pela rejeição de leis garantidoras de “direitos gays” que atacavam as crenças mais preciosas daqueles grupos.
Os líderes do movimento gay estão brincando com fogo. A grande tragédia é que não serão eles os únicos que sairão queimados. A volatilidade dos temas que eles vêm levantando – temas que envolvem religião, família e as mais elementares premissas do que é ser humano – cria o risco de uma explosão social pela qual eles devem ser responsabilizados. A ousadia da tentativa de se introduzir um “currículo homossexual positivo” nas escolas públicas, a postura de vítimas militantes que não toleram qualquer questionamento, a intolerância brutal que se segue à tomada do poder pelos homossexuais em guetos urbanos como São Francisco – tudo isso, somado ao fato de que o próprio paradigma dos direitos dos homossexuais representa uma intolerável invasão da liberdade, tende a produzir uma reação da maioria.
Já é tempo de se questionar o mito de que o movimento pelos direitos homossexuais fala por todos, ou mesmo pela maioria dos homossexuais. Isto não acontece. Leis que estabelecem “direitos homossexuais” violam os princípios do autêntico liberalismo, e os homossexuais deveriam levantar sua voz contra elas – a fim de se distanciarem dos excessos deste movimento destrutivo, a fim de evitar conflitos sociais e para corrigir alguns graves males já criados. Estes males são o ataque político hoje lançado contra a família heterossexual pelos teóricos da revolução homossexual; o incansável deboche religioso que permeia a imprensa gay; e o ilimitado desprezo, inerente à subcultura homossexual, por toda tradição e pelos “valores burgueses”.
A busca por uma “etnia” homossexual é tão infrutífera quanto o esforço para forjar um movimento político homossexual. Ser homossexual não pode ser comparado, de forma alguma, a, digamos, ser armênio. Não existe uma cultura homossexual à parte da cultura em geral e, apesar de alegações pseudo-científicas em contrário, não existe uma “raça gay” geneticamente codificada. Existe apenas um certo comportamento adotado por um grupo heterogêneo de indivíduos, cada um baseado em seus próprios motivos e predisposições.
Quaisquer esforços de santificação desta conduta, ou de sua explicação de forma a esvaziá-la de qualquer conteúdo moral, são contraproducentes, além de pouco convincentes. Tentar reconciliar de alguma forma a homossexualidade com os costumes e crenças religiosas da maioria é renunciar ao verdadeiro direito que as pessoas, homossexuais ou não, efetivamente têm: o direito de não ter que dar satisfações quanto à sua própria existência.
A obsessão em “assumir” sua própria homossexualidade e o auto-centrismo essencialmente feminino deste tipo de ritual é certamente um outro traço do movimento homossexual que deve ser eliminado. Será que nós realmente temos que conhecer as predileções sexuais de nossos vizinhos e colegas de trabalho, ou mesmo de nossos irmãos e irmãs, tios e tias?
Esperar aprovação ou sanção oficial quanto algo tão pessoal quanto a própria sexualidade é um sinal de fraqueza de caráter. Pedir (não, exigir) com a cara limpa tal aprovação na forma de um ato governamental é algo de um mau gosto sem paralelos. É também a confissão de uma falta de auto-estima tão devastadora, de um tal vazio interior, que sua expressão pública se torna inapreensível. A auto-estima não é uma qualidade que se possa extrair dos outros, nem ser criada legislativamente.
A história do movimento gay revela que Eros e ideologia são antípodas. A política, disse Orwell, é o “sexo azedado”, e a palavra “azeda” certamente descreve a visão do mundo dos dogmáticos dos direitos homossexuais. Isto fica evidente só de olhar para eles: melindrados a todo tempo por uma sociedade “heterossexualista” e normalmente muito pouco atraentes para conseguirem namorar, estas pobres almas politizaram tanto sua sexualidade que dificilmente se pode afirmar que ela ainda exista.
Ao invés do moralismo da “visibilidade” gay, uma solução sensata para a Questão Homossexual seria uma convocação de retorno aos deleites da vida privada, uma redescoberta da discrição ou mesmo do anonimato. A politização da vida cotidiana – do sexo e das instituições culturais fundamentais – é uma tendência a que devemos resistir com tenacidade: não apenas os homossexuais, mas os amantes da liberdade em todas as esferas de realização humana.
Artigo originalmente publicado na revista The American Enterprise.







O RISCO BOLIVARIANO

Não existem mais valores objetivos, ninguém pode julgar nada, vale tudo, e quem discorda sofre de preconceito e é moralista

Com petistas, todo cuidado é pouco. O país assistiu, nos últimos dias, a uma tentativa escancarada de ataque à democracia. Enquanto artistas da esquerda caviar protestavam contra o pastor Feliciano, dando beijos uns nos outros, os “mensaleiros” da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) tentavam usurpar o poder do STF à surdina. Montesquieu ficaria horrorizado com tanto descaso à divisão entre os poderes.
A autoria da proposta de emenda constitucional aprovada é de Nazareno Fonteles, deputado petista pelo Piauí. Não é sua primeira proposta absurda. Em 2004, ele apresentou um projeto de lei complementar que estabeleceria uma “poupança fraterna”. Puro eufemismo: tratava-se de uma medida avançada rumo ao socialismo.
O artigo primeiro dizia: “Fica criado o Limite Máximo de Consumo, valor máximo que cada pessoa física residente no País poderá utilizar, mensalmente, para custear sua vida e as de seus dependentes.” Acima desse valor arbitrário definido pelo governo, a renda seria confiscada para essa poupança compulsória coletiva. Uma bizarrice que nos remete ao modelo cubano.
É realmente espantoso que, em pleno século 21, ainda tenhamos que combater uma ideologia tão nefasta quanto o socialismo, que deixou um rastro de escravidão, morte e miséria por onde passou. Mas uma ala petista, com outros partidos da esquerda radical, ainda sonha com essa utopia assassina. Tanto que chegaram a assinar carta de apoio ao ditador coreano!
São os nossos “bolivarianos”, que se inspiram no falecido Hugo Chávez, cujo “socialismo do século 21”é exatamente igual ao do século 20. Vide a militarização crescente imposta por Maduro, o herdeiro do caudilho venezuelano, assim como a inflação fora de controle e o aumento da violência. Socialismo sempre estará associado ao caos social e à opressão.
Países que já sofreram na pele com esse regime não querem mais saber de partidos ostentando tal ideologia. A Hungria, seguindo outros países do Leste Europeu, acaba de vetar símbolos nazistas e comunistas. Não há por que proibir a suástica e permitir a foice com o martelo. Ambos representam regimes assassinos, totalitários, antidemocráticos.
Se o socialismo é o mesmo de sempre, a tática para chegar a ele mudou. Hoje, os socialistas tentam destruir a democracia de dentro, ruindo seus pilares, mas mantendo as aparências. Eles aparelham toda a máquina estatal, infiltram-se em todos os lugares, e partem para uma verdadeira revolução cultural, sustentada pelo relativismo moral exacerbado.
Não existem mais valores objetivos, ninguém pode julgar nada, vale tudo, e quem discorda sofre de preconceito e é moralista. Com essa agenda politicamente correta, os socialistas modernos vão impondo uma mentalidade fascista que, em nome da “tolerância” e da “diversidade”, não tolera divergência alguma.
Triste é ver que alguns homossexuais aderem a esse movimento, ignorando que o socialismo sempre perseguiu os gays. Chega a ser cômico ver o deputado Jean Wyllys usando boina no estilo Che Guevara, um facínora que achava que os gays tinham de ser “curados” em campo de trabalho forçado.
Como não temos uma oposição política organizada que valha o nome, resta como obstáculo a esse golpe bolivariano basicamente a força de quatro instituições: família, igreja, imprensa e Judiciário. Não por acaso são esses os principais alvos dos golpistas. Eles sempre menosprezam o núcleo familiar tradicional, atacam ou se infiltram nas igrejas (vide a Teologia da Libertação ou a própria CNBB), insistem no “controle social” da imprensa, e desejam diluir o poder do Ministério Público e do STF.
Há até mesmo uns dois ali que mais parecem petistas disfarçados de ministros. Não é exclusividade latino-americana tentar ir por esse caminho. Roosevelt tentou expandir a quantidade de ministros da Suprema Corte para diluir a oposição ao seu “New Deal”, claramente inconstitucional. Mas as instituições americanas são mais resistentes e suportaram o golpe. Na América Latina, infelizmente, há terreno mais fértil para populistas autoritários.
Nesse ambiente, os defensores da liberdade e da democracia não podem cochilar jamais. É preciso tomar cuidado com as cortinas de fumaça criadas para esconder o jogo sujo dos bastidores. Foi marcante, por exemplo, a discrepância entre a reação histérica ao pastor Feliciano, e a postura negligente com os “mensaleiros” na CCJ. Estranhas prioridades.
Nossa liberdade corre sério perigo, e seus principais inimigos são os jacobinos disfarçados de democratas. Acorda, Brasil!


Rodrigo Constantino é economista

Publicado em O Globo – 30 de abril


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http://oglobo.globo.com/opiniao/o-risco-bolivariano-8243881#ixzz2RxSQ592I
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20/04/2013 - 22h00

Sergio Fausto - Venezuela: amanhã pode ser outro dia





Está desfeito o mito da invencibilidade eleitoral do chavismo. No último domingo, dia 14, ele colheu seu pior resultado nas quatro eleições presidenciais que disputou.
A diferença de votos com a oposição vinha caindo sistematicamente desde 2006. Em condições de normalidade democrática, Henrique Capriles teria vencido o pleito. Contra todas as iniquidades, conquistou 49,1% dos votos.
Nicolás Maduro começa o mandato com pouca força política e muitos problemas a enfrentar.
Seu desgaste no cargo é inevitável. Com um déficit fiscal superior a 10% do PIB e uma dívida pública elevada, o governo precisa cortar gastos e aumentar a arrecadação.
Numa economia em que as exportações de petróleo são a principal fonte de receita do Estado e a produção de barris está estagnada, o aumento da arrecadação exige uma nova desvalorização da moeda.
Ela terá impacto sobre uma inflação que já ultrapassa 20% ao ano, a despeito de congelamento de alguns preços. Impacto inflacionário significativo, porque a Venezuela hoje importa quase tudo que consome, inclusive gasolina.
Os venezuelanos perderão renda pelo aumento da inflação, pela elevação das tarifas públicas, pesadamente subsidiadas, e/ou pela diminuição das transferências governamentais para os programas sociais.
O ajuste pode ser suavizado se o governo contar com novos empréstimos da China (seu maior credor externo) e com auxílio de países interessados na estabilidade da Venezuela, como o Brasil. Mas ele é inescapável, e seus resultados, incertos.
A verdade é que não basta à Venezuela um ajuste macroeconômico. Trata-se da reconstrução de uma economia destruída por vários anos de voluntarismo e incompetência. Agora, com os preços internacionais do petróleo tendentes à queda.
Como se não bastasse, Maduro enfrentará um quadro político adverso dentro da heterogênea coalizão de forças que compõem o chavismo. Ungido por Chávez, respaldado pelos irmãos Castro, ele precisava de uma consagração eleitoral para adquirir capital político próprio e firmar sua liderança dentro do seu grupo político e ante o país.
Abandonará Maduro a lógica da confrontação política em nome da governabilidade e o "socialismo do século 21" em favor da reconstrução da economia venezuelana? Nada em sua formação política, nos interesses e na ideologia do chavismo indica que este será o caminho.
Dois dias após o pleito, ele afirmou sobre as medidas que pretende tomar para enfrentar os constantes apagões de energia elétrica no país: "Vou declarar o setor elétrico serviço de segurança do Estado, com disciplina militar interna" (para expurgar supostos sabotadores).
O peso das Forças Armadas no chavismo é crescente: 11 dos 22 governadores eleitos pelo Partido Socialista Unido da Venezuela em outubro do ano passado são militares. Oficiais ocupam postos e sinecuras no aparelho estatal. Com uma maioria eleitoral mínima, um Maduro enfraquecido requer o apoio das Forças Armadas para operar o Estado e manter-se no Palácio de Miraflores.
Militar da reserva, presidente da Assembleia Nacional, homem da boliburguesia, preterido por Chávez na sua sucessão, Diosdado Cabello deve estar sorrindo por dentro.
Em três anos, Maduro tem encontro marcado com o referendo revocatório previsto na Constituição venezuelana. Ninguém mais duvida de que a oposição tem hoje força para convocar o referendo e vencê-lo. Resta saber se o chavismo aceita conviver com essa perspectiva. E se a oposição saberá consolidar a nova posição conquistada no domingo.
SERGIO FAUSTO, 50, cientista político, é superintendente-executivo da Fundação Instituto Fernando Henrique Cardoso

Folha de São Paulo - Abril 2013

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China vê modelo de governo esgotado e tenta chegar a desenvolvida

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FABIANO MAISONNAVE
DE PEQUIM










G2Narrada em números, a China chega à primeira troca de sua cúpula do poder em dez anos acumulando façanhas impressionantes.
Desde 2002, o país quintuplicou seu PIB per capita, construiu milhares de quilômetros de trem-bala e organizou uma exuberante Olímpiada no mesmo ano em que resgatou o planeta da crise financeira com estímulos de US$ 685 bilhões.
As projeções também são otimistas. Nos próximos anos, já sob a quase certa liderança do vice-presidente Xi Jinping, 59, no lugar de Hu Jintao, a China continuará crescendo a taxas acima da média mundial, segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional), e deve ultrapassar os EUA como a maior economia do mundo --cálculos preveem que isso possa ocorrer já daqui a oito anos, em 2020.
Mas tem sido sob um clima de nervosismo, e não de júbilo, que ocorrem os preparativos para a transição política --que começa com a abertura do 18º Congresso do Partido Comunista nesta quinta-feira, em Pequim, e só será concluída em março, quando Xi e o provável futuro primeiro-ministro, Li Keqiang, assumem o governo.
A tensão se explica, em parte, pelo aparecimento de problemas imprevistos.
No campo econômico, principal fonte de legitimidade do regime autoritário, a China precisou lançar mão de várias medidas de estímulo para fazer frente ao cenário externo ruim e assegurar um crescimento de cerca de 7,5%, menor índice desde 1990.
O Partido Comunista teve de lidar ainda com a grave crise política envolvendo Bo Xilai, dirigente cuja provável ascensão à cúpula foi interrompida por um escândalo de assassinato e corrupção.
Seu expurgo acabou contribuindo para acirrar a disputa entre facções por um lugar no Comitê Permanente, o órgão máximo da hierarquia chinesa, que provavelmente será reduzido de nove para sete cadeiras.
ARMADILHA
A esses problemas se somaram os desafios complexos para o médio prazo.
Com um PIB per capita ainda modesto e próximo aos de países como Equador e Timor Leste, a China quer evitar a todo custo a "armadilha da renda média".
Ela se configura quando um país não consegue mais competir com outros de mão de obra mais barata nem alcança o estágio de avanço tecnológico das nações mais ricas (o Brasil é sempre lembrado como mau exemplo).
Para isso, o governo estabeleceu diretrizes de difícil implantação para corrigir o padrão de crescimento.
As propostas, previstas no atual Plano Quinquenal (2011-5), incluem o salto tecnológico em áreas estratégicas, como aviação e energias alternativas, o aumento da participação do consumo interno no PIB --reduzindo o peso do investimento e das exportações-- e a criação de mecanismos para reduzir a explosiva desigualdade de renda, atualmente uma das maiores da Ásia.
A transição ocorre ainda num momento em que a opinião pública chinesa consegue uma força sem precedentes por meio das populares redes sociais locais (Facebook e Twitter estão bloqueados na China), que somam cerca de 300 milhões de usuários, a maioria de classe média.
Relatos de casos de corrupção, raivosos ou irônicos, disseminam-se rapidamente pelas redes, apesar dos esforços da censura oficial chinesa para controlar as críticas.
'HARDWARE SOVIÉTICO'
Autoritária, sem contrapesos, pouco transparente e propensa à corrupção, a atual estrutura administrativa, que se manteve praticamente intacta durante a abertura econômica, não está à altura dos problemas, segundo muitos analistas e mesmo vozes de dentro do governo.
"Os nomes dos organismos pelos quais o partido exerce o poder --Politburo, Comitê Central, Praesidium e outros do tipo-- traem um dos fatos mais negligenciados sobre o Estado moderno chinês: o de que ele ainda funciona dentro de um hardware soviético", afirma o australiano Richard McGregor, autor do elogiado livro "The Party" ("o partido", em português; obra não lançada no Brasil).
Um exemplo dessa ambivalência é o primeiro-ministro do país, Wen Jiabao. Crítico do atual rumo da economia chinesa, que tem classificado de "desequilibrado, descoordenado e insustentável", ele passou dez anos no gabinete defendendo uma reforma política, que não aconteceu.
Na semana passada, a imagem progressista de Wen foi seriamente manchada depois de o jornal "The New York Times" ter revelado que a sua família acumulou uma fortuna de US$ 2,7 bilhões, quase toda auferida em negócios envolvendo o governo a partir do período em que ele assumiu o gabinete, em 2003.
"A China está instável na base, abatida na classe média e fora de controle no topo", concluiu um congresso realizado em setembro pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC, na sigla em inglês), segundo relato de um dos participantes


FOLHA DE SÃO PAULO - 04 DE NOVEMBRO DE 2012

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PEQUENO RESUMO HISTÓRICO DAS ESQUERDAS NO BRASIL:


PARTE I: DOS ANARCO-SINDICALISTAS AO CAVALEIRO DA ESPERANÇA



As ideias de esquerda começaram a surgir na primeira metade do século XIX, com os famosos socialistas “utópicos” (denominação dada por Marx) e passaram a um novo patamar a partir da Primavera dos Povos (1848), com o lançamento do Manifesto do Partido Comunista (Marx e Engels), em Paris.
O autodenominado Socialismo Científico propunha (ou propõe) a superação do capitalismo pelos proletários unidos em torno de sua revolução. A partir daí, construiriam uma sociedade teoricamente igualitária em dois estágios: o socialismo (ou ditadura do proletariado), cuja principal tarefa era transformar a infraestrutura (organização da produção de do trabalho), pela transformação da propriedade privada em propriedade social (ou estatal). Depois viria o comunismo, a plenitude da sociedade igualitária, onde a propriedade seria comunal, gerida pelas comunas, pelas cooperativas de trabalhadores, etc, etc.
Marx e seus furúnculos produziram essa ideia, que seria colocada em prática, inicialmente, pela conscientização do proletariado. Para isso, ele e outros organizaram as famosas Internacionais Operárias, na segunda metade do século XIX. É neste momento que surge a primeira dissidência, na forma dos Anarquistas, que apoiavam a ideia da Revolução Proletária, mas, abriam mão, digamos assim, da fase da Ditadura do Proletariado. Em resumo, para os anarquistas, o Estado não era libertador, mas conservador: enquanto houvesse o Estado, haveria a dominação de uma classe pela outra. Propunha a passagem do capitalismo direto para o comunismo, com a extinção de todas as instituições de controle sobre o indivíduo – Estado incluído.
Comunistas e Anarquista dominaram o cenário político das últimas décadas do século XIX. Novas tendências, como a social-democracia, ainda eram minoritárias neste universo.
É exatamente aí que o Brasil entra nessa história. Com uma industrialização ainda incipiente no final do século XIX, mas, em ascensão, devido, especialmente, aos investimentos dos cafeicultores, no Sudeste, associada à necessidade de substituição de mão-de-obra, diante dos estertores da escravidão, a imigração se tornava um dos fenômenos culturais mais importantes do período. A maioria dos imigrantes era de europeus e, destes, boa parte italianos.
Estes imigrantes italianos são os principais responsáveis pelo início do movimento operário no Brasil. Traduzindo a tendência significativa do movimento operário italiano no Brasil, os anarquistas tornaram-se dominantes.
Os anarco-sindicalistas estão na origem das primeiras organizações de trabalhadores no Brasil, das primeiras manifestações, reivindicações e greves, sendo os comunistas ainda minoritários e pouco articulados. Essa movimentação certamente não passou despercebida às autoridades do país. Um exemplo é a Lei Adolfo Gordo, que permitia a expulsão de estrangeiros envolvidos em greves (obs: entre 1908 e 1921, 556 estrangeiros foram expulsos do país com base nessa lei)



(Greve Geral 1917 – SP)
A partir de 1917, insuflados pela vitória dos bolcheviques na Revolução Russa, os comunistas começam a se tornar cada vez mais atuantes. Como reflexo disso, temos a fundação do PCB, em 1922. Destaque-se neste momento, duas coisas: a primeira greve geral no Brasil, em São Paulo, em 1917, com a participação tanto de anarquistas quanto de comunistas, em um breve momento de comunhão entre eles, que normalmente se digladiavam pelo controle do movimento operário. O outro destaque fica por conta da época em que se dá a fundação do PCB, no início da década de 20, fazendo parte de um conjunto de ações e transformações políticas que questionavam a ordem oligárquica. Entre elas, o Movimento Tenentista, que produziria lideranças importantes, tanto à direita como à esquerda: como exemplo de cada uma, respectivamente o Tenente Juarez Távora e o Capitão Luiz Carlos Prestes.



(Fundação do PCB)
Importante também citar que, nessa mesma década, travestido no BOC – Bloco Operário e Camponês, o PCB chegaria a disputar eleições.
Até os anos os anos 30, os anarquistas estariam totalmente superados pela organização centralista e as ações articuladas internacionalmente pelo PCB e pelo Comintern.
Em 1930, da URSS, Prestes recusaria o convite para participar e apoiar o movimento da Aliança Liberal, encabeçado pelo candidato derrotado nas urnas, Getúlio Vargas. Segundo ele, Vargas não era a revolução, mas a continuidade. Juarez Távora, ao contrário, se tornaria um dos nomes importantes desse movimento e dos primeiros anos do governo Vargas, chegando a governar vários estados do nordeste simultaneamente, fato que lhe rendeu a alcunha de “O Rei do Norte”. Curioso lembrar que um dos oficiais do exército que colaborou com o governo Juarez Távora no nordeste, foi o jovem Tenente Ernesto Geisel.
Ainda nos anos 30, se estabeleceria o grande confronto ideológico entre os comunistas, de um lado, e os fascistas, de outro. O Fascismo, movimento de extrema direita, se apropriava de bandeiras e slogans da extrema esquerda como estratégia de expansão massiva, reunindo multidões e pressionando os governos na Europa. Na Itália, os fascistas já estavam no poder desde os anos 20, após a “Marcha sobre Roma”, comandada por Benito Mussolini.
Na Alemanha, depois do fracasso do “Putsch” de Munique e da prisão, Hitler e seus companheiros de partido potencializavam eleitoralmente os efeitos da Crise de 1929 sobre a já combalida economia alemã, e começavam a crescer pelo voto. De 1929 a 1932, os Nacional-Socialistas, nome oficial do Partido Nazista, receberiam volumes crescentes de votos, até atingirem mais de 50% das cadeiras do Reichstag, o parlamento alemão, obrigando o presidente Hindenburg a aceitar a indicação de Adolfo Hitler à chancelaria – daí para o controle total do poder foi apenas um pulo.
No Brasil, essa luta era travada entre a AIB – Ação Integralista Brasileira , de influência fascista e a ANL – Aliança Nacional Libertadora, uma reunião de segmentos que se opunham a Getúlio Vargas, encabeçada pelo PCB e por seu líder, Luiz Carlos Prestes. Em 1935, o PCB identificou a possibilidade de um golpe de estado no Brasil (sabe-se lá por que cargas d`água! Leitura totalmente equivocada) e Prestes voltou ao Brasil, financiado pelo Comintern e acompanhado da militante judia-alemã Olga Benário. O movimento, que se mostrou um fiasco e produziu cenas e episódios muito pouco gloriosos para o PCB, terminou com a prisão de muitos líderes e militantes, incluindo Prestes e Olga, graças a falhas na organização, à teimosia pessoal de Prestes, e ao confisco de importantes documentos pela polícia no caso do famoso cofre que não explodiu. Prestes permaneceu preso até 1945, no presídio da rua Frei Caneca, no Rio de Janeiro, enquanto Olga seria deportada para a Alemanha, em 1937, onde morreria, anos mais tarde, em um campo de concentração. Graças aos esforços da mãe de Prestes e de seus amigos e advogados, a filha de Prestes com Olga, Anita Leocádia Prestes, foi resgatada no campo e sobreviveu a tudo isso.
Agora vem o mais curioso, politicamente. Em 1939, a Alemanha e a URSS assinaram um pacto de não-agressão, útil a ambos, naquele momento, do ponto de vista estratégico. O acordo incluía a divisão da Polônia entre os dois governos. Lembrando que a invasão da Polônia pelos alemães, em setembro daquele ano, daria início à Segunda Guerra Mundial.




No Brasil, com Prestes ainda na prisão, o PCB anunciava aos quatro ventos o pacto com a Alemanha e com os nazistas, como “A Revolução Mundial dos Trabalhadores”. Jorge Amado, importante escritor brasileiro e militante comunista, declarava seu apoio e recomendava o apoio dos trabalhadores brasileiros ao “Camarada” Hitler. O que se dizia sobre ele, segundo Jorge Amado e o PCB, era fruto da “manipulação da mídia imperialista”. Claro que, em 1941, diante da invasão da URSS pelas tropas alemãs, o PCB mudaria sua posição, radicalmente.
Durante a guerra, por necessidade de lutar contra um inimigo comum, EUA, URSS e Grã-Bretanha, uniram forças, mas, sempre deixando claro que aliados e “amigos” são coisas bastante diferentes. O clima da futura Guerra Fria já se fazia presente em todos os acordos, negociações e ações militares dos “Três Grandes”.
Isso traria mudanças também nas estratégias políticas do PCB no Brasil. A vitória dos aliados na guerra, a participação do Brasil no conflito, propagandeado como um confronto entre o bem (os aliados) e o mal (os nazifascistas), provocaria uma crise no Estado Novo de Vargas. Desde 1943, com o Manifesto dos Mineiros, o país reivindicava a redemocratização, que Vargas tentava conduzir à sua maneira.
Em 1945, Vargas anunciava a Reforma Partidária (partidos políticos estavam extintos desde 1937), eleições presidenciais ainda para aquele ano, e anistia política: esta última libertava dezenas de presos de consciência no Brasil, inclusive, Prestes.
E qual foi a leitura que Prestes, e por via de consequência o PCB, fizeram dessa conjuntura? Para eles, o fim da guerra e as forças políticas majoritárias no Brasil, nos afastavam da URSS e nos aproximavam dos EUA. Neste sentido, o estadismo de Vargas e a pouca confiança que os americanos tinham no mesmo, em função de seus pendores claramente fascistas, faziam de Vargas mais um aliado que um inimigo.
Prestes passou a pregar a viabilidade da “luta dos trabalhadores dentro da democracia burguesa” através do voto. E o país assistiu ao cavaleiro da esperança sair das prisões do varguismo direto para os palanques do varguismo: Prestes e o PCB, legalizado em 1945, apoiariam o “Movimento Queremista” e participariam das eleições daquele ano, elegendo sua primeira bancada parlamentar.




(Polícia “Especial” de Vargas prende Prestes em 1936)

(Vargas e Prestes no mesmo palanque em 1945)
Teve fôlego curto, esse momento do partidão: com o movimento sindical ainda controlado pelo Estado, e com a adesão do governo Dutra aos preceitos da Doutrina Truman, em 1947, tanto o PCB quanto seus deputados eleitos seriam cassados. Novamente na clandestinidade, o partidão tentava se rearticular e buscar novos caminhos.
Nos anos 50 e 60, o PCB, ainda a principal força de esquerda no país, tentava abrir espaço novamente no movimento operário, e, na medida em que setores do PTB se sentiam pressionados pelos EUA e assumiam posturas à esquerda, o PCB surgia como apoio importante. Infiltrado nos sindicatos, nas novas centrais operárias que surgiam, como a CGT, e nas Ligas Camponesas, o PCB e as esquerdas de um modo geral – neste momento um conjunto bem mais complexo de social-democratas, trostskistas, stalinistas, maoistas, castristas e outros, compunham boa parte das forças que apoiaram o governo João Goulart.
Brizola e o PTB lideravam a “Frente pela Legalidade”, que exigia a posse de Jango, enquanto organizações e células de esquerda, alimentadas pela URSS e por Cuba, se multiplicavam especialmente junto aos movimentos classistas e estudantil. A Guerra Fria se estabelecia mais forte do que nunca por aqui, apesar dos esforços do governo dos EUA em deter essas forças, principalmente depois da Revolução Cubana. Exemplo disso, foi a chegada ao Brasil, durante o governo JK, da “Aliança para o Progresso” – programa do governo Kennedy que dava apoio inclusive financeiro dos EUA aos governos alinhados.
Como nunca, vendiam-se alegremente os mitos de cada ideologia: o mito do “self made men” e das oportunidades para todos, de um lado, e o mito da sociedade justa e igualitária, de outro.
Ainda no início dos anos 60, e bem antes do Golpe Militar e mais ainda do AI-5, grupos se organizavam e incluíam em sua prática ações consideradas terroristas, no Brasil.
Em 1964, pouco mais de um mês antes do Golpe, Prestes lembrava aos mais otimistas: “Nós estamos no poder, mas não somos o poder”.



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TEXTO 07: MINISTÉRIO PÚBLICO À BRASILEIRA

Publicado originalmente no Le Monde Diplomatique




Ministério Público à brasileira

O problema de fundo, se bem compreendido, ajuda-nos a entender por que o MP brasileiro é singular no quadro das democracias contemporâneas: trata-se de uma instituição capaz de representar a sociedade sem se deixar vincular diretamente a ela


por Rogério B. Arantes



O Ministério Público (MP) é uma instituição estatal que integra o sistema de justiça. Em termos substantivos, sua principal função é promover a ação penal pública nos casos previstos em lei. Em termos formais ou processuais, sua principal função é a de custos legis, isto é, atuar como fiscal no processo de aplicação da lei. Quanto à primeira, sua atuação se impõe pela obrigação estatal de zelar pelo direito à vida, cabendo ao MP levar adiante todos os casos de lesão criminal que baterem à sua porta por meio, principalmente, do inquérito policial. Quanto à segunda, sua presença no processo não se dá como parte ou autor, mas como elemento interveniente a zelar pela observância da lei no julgamento de casos concretos.

O MP está estruturado em todo o território nacional, acompanhando de perto a estrutura federativa em geral e a do Judiciário em particular. Assim, no plano da União temos os ministérios públicos Federal, do Trabalho e Militar, que atuam perante as respectivas justiças especializadas (devemos incluir na alçada da União também o MP do Distrito Federal e Territórios). Nos estados, temos os MPs estaduais que atuam perante a justiça comum, civil e criminal. Somando todos os promotores e procuradores de justiça em atividade nesses diversos ramos, o MP dispõe hoje de pouco mais de 10 mil integrantes no país.

Nas últimas décadas, o Ministério Público conheceu inigualável desenvolvimento institucional, seja em comparação com períodos anteriores, seja em comparação com seus congêneres mundo afora. A instituição conta com autonomia funcional e administrativa e seus integrantes gozam das mesmas garantias que os membros da magistratura. Ao contrário do que muitos afirmam, esse desenvolvimento não teve início com a Constituição de 1988, mas remonta ao regime anterior, mais precisamente ao ano de 1973, quando um novo Código do Processo Civil (CPC) autorizou o MP a intervir em todos os processos nos quais o “interesse público” estivesse presente. Embora a intenção inicial da medida fosse a defesa dos interesses da administração pública, a formulação do artigo 82 do CPC permitiu que o MP passasse a explorar a ideia de que o interesse público não se restringia aos interesses do governo e de suas agências, mas dizia respeito aos interesses mais amplos da sociedade. Teve início ali sua bem-sucedida trajetória de separação do Poder Executivo e de afirmação como representante da sociedade, da qual a Constituição de 1988 é ponto de chegada, e não de partida.

Foi também durante o regime militar que o MP obteve sua primeira Lei Orgânica Nacional, em 1981. O ponto mais importante da Lei Complementar n. 40 foi definir o MP como instituição permanente e de caráter nacional. Sob a Constituição da época, somente as Forças Armadas gozavam dessas mesmas condições. A nacionalização do MP permitiu que competências, garantias e vedações introduzidas pela Lei (e daí em diante por todas as leis seguintes) fossem uniformemente aplicadas aos MPs estaduais e da União. Às portas da Assembleia Constituinte de 1987-88, o MP já era uma instituição unificada e com projeto razoavelmente claro acerca do lugar a ser alcançado na nova Constituição. Poucos observaram esse fato, mas a definição de Ministério Público na lei de 1981 é a mesma que remanesceu na Carta de 1988. A única diferença é que o texto de 1988 acrescentou a expressão “defesa do regime democrático”, algo que seria insólito no regime anterior. Sinal de que houve mais continuidade do que ruptura na transição democrática é também o fato de que a instituição comemora seu Dia Nacional em 14 de dezembro, data em que foi promulgada a lei de 1981.

Outro passo decisivo do processo de desenvolvimento do MP se deu com a Lei da Ação Civil Pública (ACP), de 1985, que lhe conferiu legitimidade para atuar na defesa de interesses difusos e coletivos, como meio ambiente, consumidor e patrimônio histórico e cultural. A atuação do MP na esfera cível se restringia até então à defesa dos chamados incapazes, tais como os menores de 16 anos, “os loucos de todo gênero”, “os surdos-mudos”, “os pródigos” e “silvícolas”, nos termos do Código Civil da época. A legislação sobre direitos difusos e coletivos, iniciada com a Lei da ACP e depois expandida por novos textos legais na esteira da Constituição de 1988, seria caracterizada pela mesma ideia de hipossuficiência – desta feita da sociedade civil – para justificar a atuação do MP na defesa daqueles direitos. Se sua presença tutelar no processo civil estava originalmente condicionada a situações de incapacidade jurídica de determinadas pessoas e/ou indisponibilidade de direitos, a ampliação das hipóteses de atuação do MP nessa esfera teria de obedecer necessariamente àqueles critérios, do contrário seria injustificável. Foi por essa via que se conferiu ao MP uma espécie de representação extraordinária da sociedade, pela qual está legitimado a representar interesses e direitos coletivos sem que haja autorização ou mandato explícitos e intencionais por parte dos representados. Assim, a evolução recente dos direitos coletivos e do MP no Brasil não deixa de conter um importante paradoxo: o mesmo processo que levou ao reconhecimento da dimensão coletiva e social de certos direitos – rompendo com o princípio individualista do ordenamento jurídico tradicional – qualificou a sociedade civil como hipossuficiente ou incapaz de defender seus próprios direitos e habilitou uma instituição do próprio Estado a agir em nome dela.

Por fim, a Constituição de 1988 consolidou o ciclo de transformações anteriores, atribuindo ao MP independência em relação aos demais poderes de Estado. Na ordem constitucional anterior, a instituição era subordinada ao Poder Executivo e agia segundo seus critérios, no plano federal e nos estados. Com a nova Constituição, o MP conquistou independência em duas dimensões, externa e interna. Na primeira, o MP conquistou autonomia funcional e instrumentos de autogoverno, sem que tivessem sido acompanhados de mecanismos de prestação de contas horizontal ou do tipo de controle que ocorre por meio de eleições populares. Seus membros ingressam na instituição por meio de concurso público e, internamente, gozam de garantias como a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de vencimentos, o que lhes confere alto grau de independência funcional e controle completo sobre as ações que conduzem. No Brasil, a autonomia dos promotores e procuradores assemelha-se à dos juízes, e a ideia de independência para julgar se estendeu também à função de acusar.

Em resumo, o Ministério Público brasileiro se distingue de outros por combinar um amplo leque de funções na defesa de interesses coletivos da sociedade e altos graus de independência institucional e discricionariedade de ação na área cível. Embora esse modelo tenha sido o responsável por elevá-lo a uma condição de quase quarto poder, também a ausência de mecanismos de controle de sua atuação – seja para impor sanção nos casos de abuso de autoridade, seja para cobrar a instituição nos casos em que se omite – tem sido objeto de crítica acirrada. O problema de fundo, se bem compreendido, ajuda-nos a entender por que o MP brasileiro é singular no quadro das democracias contemporâneas: trata-se de uma instituição capaz de representar a sociedade sem se deixar vincular diretamente a ela. A ausência de vínculos diretos é tida por muitos como condição para uma atuação técnica e que almeja neutralidade. Para os críticos, é uma quimera, pois a política sempre encontra uma forma de se reinstalar, e nenhuma instituição com poder de fogo e que tenha por função agir em nome de outros estaria imune à politização.

A questão da accountability do MP se torna mais importante na mesma medida em que sua presença na vida política do país se torna mais intensa. Hoje o MP não se restringe a defender determinados interesses coletivos, mas ele interfere na realização de políticas públicas e busca controlar a própria conduta dos ocupantes de cargos públicos, nos mais diversos escalões da República. Sua presença se fez cotidiana, e nas comarcas de todo o país é comum assistirmos aos mais diversos casos de protagonismo envolvendo promotores e procuradores na defesa do interesse público. Na década de 1990, uma estratégia dominante na consecução desses objetivos foi a aliança do MP com a mídia, especialmente com o chamado jornalismo investigativo. A reação da classe política contra essa associação não tardou e veio na forma da proposta de uma lei da “mordaça”, jamais aprovada pelo Congresso Nacional.

Outra disputa importante tem se dado entre o MP e as polícias. Para entendê-la é necessário mais um breve recuo histórico. No contexto da redemocratização, as instituições policiais foram duramente criticadas por sua associação com o regime autoritário, mas também por sua ineficiência na condução da própria investigação criminal. Embalado pelas conquistas dos anos 1970 e 1980, o MP se lançou à tarefa da investigação e, com menos êxito, também à de controle externo da atividade policial. A lei da ACP de 1985 já havia conferido uma arma poderosa a promotores e procuradores: o inquérito civil. Por meio dele, o MP passou a realizar verdadeiras investigações, sem a participação da polícia e sem o controle do Judiciário. Num contexto marcado por escândalos de corrupção, pela ineficiência policial e pela morosidade da justiça, a investigação por meio do inquérito civil permitia a promotores e procuradores contornar o inquérito policial e o foro privilegiado das autoridades, aumentando teoricamente as chances de sucesso de suas iniciativas. No processo de afirmação institucional do MP da década de 1990, houve mesmo quem propusesse a extinção do inquérito policial, sem falar da controversa ideia de entregar ao Ministério Público a direção exclusiva dos trabalhos de investigação.

Passados quase trinta anos de experiência com o inquérito civil e mais de vinte anos com as ações de improbidade administrativa, os resultados desse modelo podem ser considerados muito modestos, por múltiplas razões que não cabe aqui expor. O fato é que nos últimos anos o inquérito policial vem recuperando o prestígio graças às famosas operações da Polícia Federal no combate à corrupção e ao crime organizado. Tais operações têm produzido dois deslocamentos importantes: o combate à corrupção política tem migrado da esfera cível da improbidade administrativa para a esfera criminal, e do plano estadual para o nível federal, com a participação ativa e cada vez mais articulada das instituições de controle administrativo, policial e judicial da União. Em poucas palavras, promotores de justiça estaduais cederam a frente da cena política a delegados da Polícia Federal, e por trás desses atores específicos há um terreno institucional em profunda transformação.

Nesse novo contexto, faz-se inteligível a reação de segmentos da corporação policial contra o MP, numa espécie de ajuste de contas em relação às investidas do segundo sobre os primeiros, ocorridas nos anos 1990. Duas propostas em tramitação no Congresso Nacional visam, direta ou indiretamente, restringir o trabalho de investigação por parte do MP: o Projeto de Lei n. 6.745/2006 submete o inquérito civil a controle judicial e a Proposta de Emenda à Constituição 37/2011 estabelece a investigação criminal como tarefa privativa das polícias federal e civil dos estados, afugentando o MP desse terreno. Não por coincidência, as duas propostas têm como autores deputados que são ex-delegados de polícia.

O debate em torno de prerrogativas e atribuições do MP vis-à-visa outras instituições sugere que sua condição não está consolidada e que a democracia brasileira, nesse âmbito, não logrou estabelecer ainda um marco jurídico claro das relações entre justiça e política. É verdade que o MP goza hoje de amplo reconhecimento da opinião pública e que os poucos casos de desvio de conduta de alguns de seus integrantes não foram suficientes para macular sua imagem. Entretanto, nosso argumento é que o modelo institucional que elevou o MP à condição de ator político encerra uma tensão inevitável, e a instituição continuará enfrentando o desafio de assegurar sua independência como órgão do sistema de justiça a cada nova tarefa política a que se lançar. Nesse equilíbrio delicado, é bastante provável que nenhuma das contundentes mudanças institucionais cogitadas de lado a lado desde os anos 1990 seja realmente aprovada, permanecendo, contudo, como espadas de Dâmocles, penduradas por um fio sobre a cabeça de quem se viu alçado a uma singular condição de poder.

Rogério B. Arantes

Professor doutor do Departamento de Ciência Política e coordenador da Pós-graduação em Ciência Política da Universidade de São Paulo






TEXTO 06 : A PÓLIS E A SUÁSTICA

Alexandre Henrique Leitão
in: Revista de História da Biblioteca Nacional





Vivendo sob o governo de um gabinete parlamentar provisório, a Grécia, berço do conceito de democracia, parece cada dia mais pronta para questionar os ditames do regime liberal. O último pleito, realizado no dia 6 de maio, marcou a queda da Nova Democracia (de centro direita) e do Partido Socialista (PASOK). A partir de então, a nova grande força política na península se tornou a Frente de Esquerda, coligação formada por várias vertentes de inspiração comunista e ambientalista. Tendo ficado em segundo lugar, impossibilitou a criação de um gabinete de coalizão, e será provavelmente um fator de destaque no futuro próximo do país – já que novas eleições foram convocadas para o dia 17 de junho. A surpresa, entretanto, travou-se ao lado da direita, com o sucesso eleitoral obtido pelo movimento nacionalista radical conhecido como Amanhecer Dourado.

Movimentos xenofóbicos europeus, como o Amanhecer, veem-se hoje diante de uma encruzilhada bem diferente daquela que o Partido Nazista encarou na década de 1930. Nestes 67 anos, desde a morte de Adolf Hitler, países que antes podiam se definir como étnica e religiosamente homogêneos, viram o aumento dos índices de imigração, com a chegada de populações negras (da África e das Antilhas), indianas, árabes e persas.

Se a direita ultranacionalista, em um primeiro momento, protagonizou a crítica ao processo de multiculturalismo, atualmente tenta se valer dele para obter possíveis vitórias eleitorais. Esse é o caso do Front National francês, cuja líder e candidata derrotada à presidência, Marine Le Pen, buscou reinventar seu discurso político, de forma a incluir negros e judeus. Seu alvo deixa de ser a troca multicultural e étnica para tornar-se a religião muçulmana, considerada incapaz de coexistir em um Estado laico como o francês. Na votação francesa que ocorreu também no dia 6 de maio deste ano, Le Pen obteve mais de 17% dos votos.

O Fascismo Helenico

Mas, voltando à Grécia, o que chamou mais atenção na última eleição parlamentar e que vem sendo surpreendentemente pouco discutida é justamente a expressividade de votos que obteve o partido Amanhecer.

Assolada por uma crise financeira que afundou o país numa dívida de bilhões de euros, e por uma taxa de desemprego de mais de 21% (54%, entre os jovens na faixa de 15 a 24 anos), a República Helênica foi tomada pelas mais intensas manifestações de rua desde a eclosão da crise financeira de 2008. Os seguidos pacotes de ajuda econômica negociados no seio da União Européia, se por um lado propõem imensos empréstimos ao país, por outro impõem a ele a aceitação de medidas financeiras monetaristas, como a redução de salários e aposentadorias. O cenário constituído nos últimos dois anos é o de uma península insuflada pelo arrocho, a instabilidade política e as explosões de fúria dos sindicatos trabalhistas, participantes de mobilizações que mais de uma vez redundaram em quebra-quebras generalizados.

No último mês, enquanto a imprensa estrangeira se focava a cobertura nas eleições francesas, a Grécia vivenciava a campanha política para o Parlamento. A escolha se deu entre os dois maiores partidos do país, a Nova Democracia e o PASOK, favoráveis a um plano de saneamento econômico, e todos os demais, contrários às medidas de arrocho fiscal. Ao término da contagem dos votos, nem a Nova Democracia nem o PASOK tinham votos o suficiente para formar um gabinete parlamentar.

A surpresa, entretanto, deu-se a poucos dias do pleito, quando institutos de pesquisa apontavam para dois fatos marcantes: o crescimento da Frente de Esquerda, e do grupo de extrema-direita Amanhecer Dourado. A mídia grega viu-se diante de um dilema, sendo agora obrigada a reportar sobre os eventos do Amanhecer, cujos militantes, costumeiramente, fazem a saudação fascista. Xenia Kounalaki, editora do jornal Kathimerini, explicou em um artigo no site da revista alemã Der Spiegel que decidira parar de noticiar qualquer informação a respeito do grupo, mais por uma questão de segurança do que política. Após publicar em seu jornal um artigo chamado “A Banalidade do Mal”, no qual defendia o isolamento midiático do Amanhecer Dourado, de forma a não criar uma plataforma para suas idéias, o partido publicou um manifesto online contra a jornalista, mencionando inclusive sua filha de 13 anos. Agora, parar de falar do movimento tornava-se imperativo para a jornalista. Mesmo assim, as pesquisas continuaram a mostrar que ele provavelmente iria superar a barreira imposta pela legislação eleitoral grega, pois para ter assento no parlamento qualquer partido deve superar a marca dos 3% dos votos.


Resultados das urnas

Poucas horas depois de fechadas as urnas, os primeiros resultados começaram a chegar. Superando as sondagens iniciais, a Frente de Esquerda não apenas ampliou sua base parlamentar como tornou-se também o segundo maior partido do país, inviabilizando que o esperado governo de coalizão entre o Nova Democracia e o PASOK fosse realizado. O Amanhecer, por sua vez, conseguiu 7%, obtendo assim 21 cadeiras parlamentares. Seus militantes são acusados muitas vezes de se valer da violência em suas manifestações, e mais de uma vez, seus líderes tiveram expostas as idiossincrasias da direita radical européia. O líder do partido, Nikos Michaloliakos, por exemplo, após afirmar que a saudação nazista não era procedimento oficial do Amanhecer Dourado, teve um vídeo seu, fazendo a saudação em uma reunião do conselho municipal de Atenas, transmitido nas televisões gregas.



Ao ser questionado pelo jornal londrino The Times, se acreditava na ocorrência histórica do Holocausto, Michaloliakos viu-se ainda diante de outra polêmica. Afirmou: “Eu penso que toda história é escrita pelos vencedores”. Seu porta-voz oficial, Ilas Kasidiaris, porém, foi mais longe, asseverando: “A visão predominante na Europa é de que seis milhões de judeus foram mortos. A história mostrou que isso é uma mentira”. A ira do movimento, tal qual no caso francês, é voltada contra os imigrantes, tendo inclusive proposto que a fronteira com a Turquia fosse minada. O problema está em que, mesmo vendendo cópias do livro Mein Kampf (Minha Luta) em sua sede, o partido continua negando adotar tendências nazistas.

Na coletiva de imprensa, realizada logo após a divulgação dos resultados, Michaloliakos causou tensão na sala de conferências do partido. Ao entrar, acompanhado de skinheads, os membros do Amanhecer ordenaram aos repórteres presentes que se erguessem, diante da chegada de seu líder. Aqueles que reclamaram do tratamento dado à imprensa foram convocados a se retirar.


O destino da Grécia, neste momento, pende em uma tênue balança, pois sem acordo para a formação de um gabinete parlamentar de coalizão entre os maiores partidos, a Grécia corre o risco de deixar a zona do Euro. Por isso, novas eleições parlamentares foram convocadas. O que se pode ter certeza é de que na Europa do início do século XXI, a mais simples alusão aos movimentos fascistas das décadas de 1920 e 1930, representa um ônus político, cabendo à extrema-direita, criar novas representações de si mesma, reclamando novos símbolos ou, simplesmente, escondendo aqueles que parecem politicamente perigosos ou antiquados. O passado, neste caso, não se repete, ou ao menos, tenta se reconstruir a partir de experiências de transformação culturais e étnicas que continuam a se espalhar pelo continente


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Texto 05
MULHERES: A MÃE E A PUTA ESTÃO DE VOLTA

A crise e a falta de perspectivas individuais e coletivas parecem reativar a feminilidade mais arcaica, percebida como uma saída em uma sociedade dura, competitiva, implacável – seja no recolhimento do lar ou na busca por um lugar ao sol


por Mona Cholllet
Publicado no Le Monde Diplomatique





Nos últimos meses, parece que os cineastas franceses assumiram a missão de mostrar às jovens das classes médias e populares como superar o destino que as espera: estudos inúteis, ou nenhum estudo, seguidos de uma longa vida de trabalho ingrato por um salário irrisório. Contudo, trata-se menos de encorajá-las a fazer uma leitura política de sua situação que de afirmar a existência de ricos e pobres hoje, ontem e amanhã. A pobreza é tratada como um dado estável da história da humanidade – ou mais ou menos estável, pois ninguém tem dúvida de que, recentemente, os mais pobres estão se tornando mais pobres, e os mais ricos, mais ricos. Isso faz suspeitar que haja certos mecanismos políticos operando nesse cenário, mas repeti-los pode revelar um populismo de mau gosto, sobretudo se você for uma linda jovem, que horror! Ademais, por que mergulhar em reflexões extenuantes se a natureza deu-lhe todo o necessário – um corpo jovem, sedutor e saudável – para superar essa situação?

Em dezembro, estreou na França o filme 17 filles [17 meninas], de Delphine e Muriel Coulin. Inspirado na história real de 18 estudantes norte-americanas que engravidaram ao mesmo tempo em 2008, foi transposto para o universo francês da cidade de Lorient e interpreta o acontecimento de maneira fortemente idealizada. As diretoras apresentaram a gravidez adolescente como uma rebelião romântica contra o universo opressivo de pais e professores, e colocaram em cena atrizes magras e lindas, filmadas com beleza e fascinação.1

Afirmar o caráter “subversivo” da maternidade precoce implica ocultar as campanhas de prevenção existentes há anos nos Estados Unidos e, em menor medida, na Europa. Após o filme norte-americano Juno, de 2007, as transmissões de Teen mom(Mãe adolescente) e 16 and pregnant(16 anos e grávida), na MTV; 16 ans et bientôt maman(16 anos e logo mamãe), no M6; ou Clem, maman trop tôt!(Clem, mamãe muito cedo) e Ados et déjà mamans(Adolescentes e já mães), no TF1, são testemunhas da estetização desse problema social. Na França, em 2011, o videoclipe da canção Aurélie, de Colonel Reyel, teve 23 milhões de visitas no YouTube e fez a alegria daqueles que se opõem à interrupção voluntária da gravidez (IVG): “Aurélie tem apenas 16 anos e espera um bebê/ Seus amigos e parentes aconselham o aborto/ Ela não está de acordo, ela quer fazer as coisas diferentes/ Ela diz que está pronta para ser chamada de ‘mamãe’”.

Apesar dessa atmosfera cultural, por enquanto os números seguem estáveis: na França, são registrados alguns milhares de maternidades precoces por ano – dez vezes menos que nos Estados Unidos. Por outro lado, o lar representa uma ocupação atrativa para mulheres de todas as idades perante os baixos salários e meias jornadas do mercado de trabalho; para as mulheres de hoje, assim como para as da década de 1970, emprego não é sinônimo de independência financeira.

Depois da mãe precoce, aparece a prostituta. Em fevereiro, estreou Elles [Elas], de Malgoska Szumowska, filme de ficção sobre a prostituição estudantil – um fenômeno em expansão a ponto de algumas faculdades lançarem campanhas internas de prevenção. Uma das heroínas paga aluguel, está fazendo cursinho e não tem tempo de estudar porque chega esgotada do trabalho em um restaurante de fast-food; a outra desembarca de sua Polônia natal e depara com o preço do aluguel de um quarto em Paris. Por acaso, as duas percebem que homens endinheirados podem repartir um pouco de suas fortunas em troca de momentos de cumplicidade carnal e intimidade. Em definitivo, o mundo não parece tão ruim.

Ambas são convocadas para uma pesquisa da revista Elle e entrevistadas por uma jornalista (Juliette Binoche) cheia de preconceitos, que não conhece o prazer erótico. O filme perpetua as representações misóginas inerentes à prostituição: o burguês frustrado é um ser sensível e triste, com esposa e filhos; a burguesa frustrada, por outro lado, é uma sombra brutalizada, uma criatura grotesca. Única responsável por seu fracasso, falta com seus deveres mais sagrados. Diante de suas interlocutoras, a jornalista percebe que ela “não compreende bem o tema sobre o qual as jovens falam sem dificuldade: dar prazer”. Note-se: dar, e não receber.

As cenas com os clientes são cheias de humanidade tocante, excessos charmosos, transgressões quentes e canções de amor com violão. Ao mesmo tempo, quando lançava sua própria linha de lingerie, a ex-prostituta de luxo Zahia Dehar, que em 2009 foi o “presente de aniversário” do jogador de futebol Franck Ribéry, era manchete do Next, suplemento de moda do Libération (4 fev. 2012). O estilista Karl Lagerfeld acreditava que ela se inscrevia “na linha de cortesãs francesas”, uma “tradição puramente nacional que o mundo inteiro admirou e copiou”. A jornalista ex-prostituta entendia sua história como um “imenso respiro” em uma sociedade “condenada à era dos herdeiros”: não, o elevador social não está bloqueado...

Se nem todas as mulheres se deixam seduzir por esse “conto moderno” (título do perfil da ex-prostituta), todas são convidadas com uma insistência particular a comportar-se como objeto mais que sujeito. Os critérios estéticos e as roupas que definem a qualidade “sexy” são sugeridos desde a mais tenra idade, e em geral com grande adesão: a moda e a beleza representam, ao mesmo tempo, a passagem para a ascensão social e a entrada em um universo de sonhos.2

Assim, a crise e a falta de perspectivas individuais e coletivas parecem reativar a feminilidade mais arcaica, percebida como uma saída em uma sociedade dura, competitiva, implacável – seja no recolhimento do lar ou na busca por um lugar ao sol (a panóplia da mulher fatal). Lado mãe ou lado prostituta, essa feminilidade se define em função das necessidades e expectativas dos outros. Aquelas que se conformam com essa condição reprimem seus próprios desejos, opiniões e ambições íntimas. “Bem longe do ideal das lutadoras de outrora, das mulheres livres, das intelectuais e mulheres de poder, a feminilidade hoje parece responder a apenas um atributo – a sedução – e ter um único objetivo – a maternidade. Os homens e as crianças primeiro!”, escreve Maryse Vaillant,3 que enxerga uma persistente censura intelectual sobre a sexualidade de suas semelhantes. Em Next, Zahia conta que quando criança, na Argélia, era a “primeira aluna da classe”. Adorava matemática e sonhava em ser “piloto de avião”.

Exercer uma profissão por gosto, existir socialmente por outras competências além da maternidade, da sexualidade e da sedução, e conquistar a independência financeira dormindo apenas com quem se quer: ser mulher, sobretudo se não se nasce em berço de ouro, significa lutar. Mas, atualmente, nem isso parece ser um objetivo.

Mona Cholllet é autora de Rêves de droite (Sonhos de direita), Paris, editora Zones, 2008.

Ilustração: Natalia Forcat





TEXTO 04: PORQUE A ENERGIA É CARA NO BRASIL?

POR: ADRIANO PIRES





Por que a Energia é Cara no Brasil?

O país está vivenciando um grande debate sobre o preço da energia. Todos reclamam, com toda a razão, que o Brasil possui uma das energias mais caras do mundo. As associações e as federações industriais tem elaborado uma série de estudos mostrando como o produto brasileiro vem perdendo competitividade, como as indústrias já procuram outros países para se instalar e tudo isso está inteiramente ligado aos altos preços da energia no Brasil. Recentemente, o governo lançou um plano com medidas destinadas a aumentar a competitividade da indústria brasileira e a frustração é que não continha nenhuma política para reduzir os preços da energia. Agora, começamos a ver o governo anunciar que estuda fórmulas com a desindexação, para baixar a energia no Brasil.

É curioso que um país como o Brasil, rico em fontes de energia primária, tenha uma das energias mais caras do mundo. Na região norte, possuímos um grande potencial de água e gás natural, no nordeste, vento; no sudeste e centro-oeste, biomassa e gás natural e; no sul , carvão e vento. Isso sem falar de energias como a solar, as PCHs, os resíduos sólidos e mesmo a nuclear, que ficou novamente fora de moda. É bom lembrar que o Brasil possui uma das maiores reservas de urânio. Para aumentar ainda mais a nossa oferta de energia primária, temos pela frente o desenvolvimento das reservas do pré-sal. A razão principal para a energia ser cara no Brasil é que o governo não acredita na famosa lei da oferta e da demanda e na concorrência. As políticas públicas no Brasil para o setor de energia tem se caracterizado por não incentivar o aumento da oferta, incentivar práticas monopolistas e encarar o setor como um grande coletor de impostos.

Na energia elétrica resolvemos atender às pressões ambientalistas, em particular, as ONGs estrangeiras, e abrir mão do nosso potencial hídrico e passar a construir somente usinas a fio d’ água. Com certeza, seremos cobrados pelas futuras gerações. Além disso, criamos uma metodologia de leilões de energia elétrica que não leva em conta as características de cada fonte, nem tão pouco a sua localização. No setor de petróleo e no de gás natural, depois do anúncio das descobertas do pré-sal, a ANP parou de realizar leilões. O último leilão ocorreu em 2008. Em paralelo, com o fim dos leilões, o governo criou políticas que reforçaram o monopólio da Petrobras. Sem leilões e com uma política de cunho nacionalista, o crescimento da oferta de petróleo e gás natural ficou bem abaixo dos seus potenciais. Na biomassa, a inexistência de uma política de longo prazo, tanto para os derivados da cana-de-açúcar (etanol e bagaço) como para o biodiesel, principalmente depois do anúncio do pré-sal, criaram uma instabilidade regulatória e uma insegurança jurídica, que teve como consequência a redução na oferta de etanol, a pouca presença do bagaço nos leilões de energia e uma grande redução nas margens do biodiesel. Aliado com a política pública de restringir a oferta, o modelo fiscal para o setor de energia ajuda a encarecer, ainda mais, o insumo, tanto pelo lado do governo federal quanto pelo dos estaduais, que utilizam o setor como uma das suas maiores fontes de arrecadação, seja o PIS/CONFINS ou o ICMS. O Brasil também é líder mundial na taxação das fontes de energia.

Pelo lado da demanda, as políticas de governo só fazem incentivar o consumo, através da liberação de crédito para comprar automóveis, toda a chamada linha branca e, agora, exigindo dos bancos a queda nos juros.

Enquanto isso, nos Estados Unidos o governo promove uma política de incentivo ao aumento da oferta de energia e uma política tributária suave para o setor. As consequências são as descobertas do chamado shale gás e o aumento da produção interna de petróleo. O preço do gás nos Estados Unidos é hoje de U$2 milhão/BTU, o que tem provocado uma conversão de térmicas a carvão para gás e começa a viabilizar o chamado gás líquido, que pode substituir o diesel em motores. O continente norte americano passa por uma enorme revolução na oferta de energia. O Canadá, parceiro preferencial dos Estados Unidos, já é a segunda reserva de petróleo do mundo, somente atrás da Arábia Saudita. O aumento da oferta está provocando uma queda exponencial do preço da energia americana, o que, num segundo momento, vai levar a ida de uma série de indústrias para o país e o retorno do crescimento econômico.

No Brasil em vez de se colocar em prática políticas públicas que incentivem o aumento da oferta de energia e o abandono da visão do setor como arrecadador de impostos, o governo parece optar pelo populismo tarifário e por uma maior intervenção do estado no setor



TEXTO 03: SÉRGIO FAUSTO

A VENEZUELA EM RISCO DE GOLPE: A HORA DE DIZER NÃO

Não resta dúvida de que o estado de saúde de Hugo Chávez se agravou. Ele próprio admitiu o fato ao implorar publicamente a Jesus que não o levasse ainda. O apelo dramático deu-se no início deste mês de abril, em missa televisionada para todo o país. A hipótese de que ele não tenha condições físicas de disputar as eleições de outubro deixou de ser possível para se tornar provável. Assim, desenhou-se no horizonte o espectro da alternância no poder, o maior temor do chavismo. De fato, se as pesquisas servem de indicação a esta altura, seis meses antes do pleito, quaisquer dos candidatos do governo, exceto o próprio Chávez, seriam derrotados por Henrique Capriles, o candidato único das oposições.



Para um movimento político que se apoderou do Estado, agigantou-o e o transformou em instrumento para o exercício arbitrário do poder, ainda que sob a fachada de um regime constitucional e democrático, essa é uma perspectiva aterrorizante. Para alguns, inaceitável.

Ainda em novembro de 2010, o general Henry Rangel, chefe de órgão de cúpula das Forças Armadas, disse com todas as letras, em entrevista à imprensa, que em caso de vitória das oposições o povo e os militares se rebelariam. Chávez não apenas não o condenou, senão que o promoveu a uma patente ainda mais alta no generalato. Em janeiro de 2012 nomeou-o ministro da Defesa. Semanas atrás, o general Henry Rangel voltou a declarar inaceitável a vitória das oposições. Chávez afirmou que a aceitaria, sem, no entanto, repreender o subordinado. Ao mesmo tempo, o presidente venezuelano propala a ideia de que as oposições, com ajuda dos Estados Unidos, planejam promover a convulsão social para justificar um golpe de Estado. Como parte dessa encenação política, formou um comitê civil-militar com o suposto objetivo de evitar a subversão oposicionista. E ordenou ao serviço de inteligência que vigiasse governadores e prefeitos da oposição, assim como os comandantes de suas respectivas forças policiais, para prevenir que levassem a cabo o tal plano de desestabilização política.

Todos esses são fatos, amplamente noticiados pela imprensa. A eles se juntam indícios igualmente preocupantes. Em artigo recente, o jornalista venezuelano Nelson Bocaranda afirma ter havido em Havana uma reunião entre oficiais da alta cúpula das Forças Armadas da Venezuela e dirigentes do regime cubano, entre eles o próprio Raúl Castro. Os participantes do encontro teriam discutido a hipótese de empregar as Unidades de Proteção ao Presidente, forças especiais diretamente ligadas a Chávez, treinadas e/ou formadas por cubanos, para realizar atos de provocação que seriam atribuídos à oposição e justificariam uma intervenção militar para a manutenção do regime chavista. Não custa lembrar que Cuba depende vitalmente da ajuda econômica da Venezuela e que os cubanos conhecem exatamente o real estado de saúde de Chávez. Ou seja, estão interessados na manutenção do regime e sabem que ele está em perigo.

Se não podemos afirmar com certeza a veracidade do que escreveu Bocaranda, por outro lado não pode haver dúvida de que algum tipo de intervenção militar nos próximos meses é uma hipótese real na Venezuela. E se ela vier a ocorrer, será pelas mãos do chavismo, com ou sem o seu líder no comando do processo, pela simples razão de que hoje as oposições, mesmo os seus setores menos democráticos, agora minoritários, não dispõem de apoio nas Forças Armadas nem do auxílio de “milícias populares”. As armas estão com Chávez e os seus.

É difícil imaginar que uma intervenção armada viesse a produzir um governo, para não dizer um regime, capaz de perdurar no tempo. Provavelmente o poder emergente teria vida curta, mas decerto lançaria a Venezuela numa escalada de instabilidade e violência que faria empalidecer, pela duração e intensidade, a lembrança do caos provocado pelo “Caracazo”, em 1989.

Naquela ocasião, a capital do país virou de pernas para o ar em meio à revolta popular contra a política econômica do então presidente Carlos Andrés Pérez, ao final duramente reprimida pela polícia e pelo Exército, deixando mortos e feridos. Desta vez, haveria o enfrentamento entre dois blocos sociais e políticos completamente antagonizados, fraturando a sociedade e as Forças Armadas, num país onde a violência e a disseminação de armamentos já alcançaram níveis alarmantes.

A Venezuela tem 30 milhões de habitantes, é um grande exportador de petróleo, tem uma das maiores reservas provadas desse combustível fóssil no mundo e é a quarta maior economia da América do Sul. O que vier a acontecer nesse país terá repercussões na região. No governo Dilma Rousseff, o Brasil tem mantido uma atitude de maior afastamento em relação a Chávez e ao que ele representa, apesar da proximidade de seu assessor especial para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, com o governo venezuelano (são próximas também as relações de José Dirceu com personagens do regime chavista).

Chegou a hora de o Brasil enviar um recado claro a Hugo Chávez e aos seus: o governo brasileiro não ficará quieto e passivo se houver, sob qualquer justificativa que seja, um intento de golpe ou autogolpe para evitar o transcurso normal do processo eleitoral, já de si muito comprometido pelas arbitrariedades do regime chavista.

A presidente Dilma saberá avaliar o modo e os meios para enviar esse recado. Poderá tomar iniciativa isolada ou se articular com outros chefes de Estado sul-americanos, em especial com o hábil e capaz presidente Juan Manuel Santos, da Colômbia, país vizinho e importante parceiro comercial da Venezuela. Poderá até mesmo se valer dos bons ofícios de seus auxiliares e companheiros de partido que privam da intimidade do atual governo venezuelano.

Só não poderá omitir-se na hora grave que vive a Venezuela.

Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S.Paulo de 23 de abril de 2012.





TEXTO 01: ROBERTO SMERALDI, SOBRE AS POSIÇÕES DO BRASIL NA RIO + 20 E SOBRE SUSTENTABILIDADE


VESTINDO A FANTASIA: CONTRA ARLEQUIM VEM AÍ POLICHINELO



Peço licença aos muitos indignados com as palavras de nossa presidente sobre energia, na reunião do Fórum Brasileiro sobre Mudanças Climáticas. Objetivamente, a presidente não falou nenhum absurdo. As frases supostamente polêmicas são: ”Olha, é possível só com eólica iluminar o planeta? Não é. Só com solar? De maneira nenhuma”, e “Ninguém numa conferência dessas (referindo-se à Rio+20) também aceita, me desculpem, discutir a fantasia. Ela não tem espaço, a fantasia.” Enfim, o que a presidente disse me parece irretocável: aliás, não conheço ninguém que advogue “iluminar o planeta” (seja-lhe concedida a licença para o linguajar de novela, pois presidentes têm de simplificar) só com eólica, nem só com solar (leia-se “fotovoltáica”). E discutir de fantasias não parece, de fato, recomendável para uma conferência que tem a responsabilidade de tratar de assuntos decisivos para a atual civilicação humana.

A razão pela qual é oportuno preocupar-se com a manifestação da presidente não reside, portanto, no que ela disse, que é uma típica meia
verdade, um exercício do qual os políticos costumam abusar. Já o que nos deve alertar, como cidadãos e contribuintes, é o que a presidente omitiu, e que de certa forma parece ignorar, por ser briefada com meias verdades (isto é, meias mentiras) por assessores, lobistas e, às vezes, até assessores-lobistas. Em primeiro lugar, a retórica da presidente pode se aplicar a qualquer fonte energética: não é possível “iluminar o
planeta só” com nuclear, com hidroeletricidade, com fósseis, com hidrogênio, com biomassa, etc.. Está claro que qualquer estratégia de
suprimento de energia, para ser sustentável – o que implica segurança e resiliência- tem de se apoiar na diversificação das fontes e não depender unicamente, nem majoritariamente, de uma fonte.

O paradoxo é que justamente isso está em questão no Brasil: a falta crônica de uma política energética – substituída por uma política de mera construção de obras – faz com que o país tenha se apoiado numa única fonte (as grandes hidroelétricas) com os riscos bem conhecidos e, principalmente, forçando sua expansão além do que seria economicamente viável. E ainda se prepara a fazer algo semelhante com o pré-sal, com um agravante nesse último caso: apostar todas suas fichas na dependência de um modelo do passado. Esta é a primeira e grave omissão no discurso da presidente: ao dizer o óbvio sobre eólico e solar, ela não fala apenas um segredo de Polichinelo, mas passa o recado implícito de que o mesmo raciocínio não se aplicaria às demais fontes. E, ainda, deixa de comentar sobre o essencial, ou seja como mitigar nossa atual dependência barrageira, assim como evitar aquela pré-salgueira que vem aí.

Mas a meia verdade vai além do descompasso entre fontes: ela também reafirma implicitamente o interesse exclusivo em geração, omitindo foco nas perdas de distribuição e uso da energia, essencial para compor uma política energética. É grave mencionar a geração e se omitir no resto, num país que desperdiça quase metade do que gera (20% apenas no sistema de distribuição). É grave porque acrescentar um novo megawatt gerado custa mais do que usar um megawatt já gerado. Se a presidente aplicasse o mesmo conceito à política tributária, em vez de mandar a Receita Federal ir atrás do imposto sonegado, ela se preocuparia apenas em aumentar as alíquotas dos impostos.

Finalmente, a meia verdade maior de todas: a das fantasias. Se o governo é obrigado a assumir mais de 90% do financiamento de obras como
Jirau, Santo Antônio ou Belo Monte, com juros reais que beiram o negativo, e mesmo assim tendo grande dificuldade e atrasos para viabilizar as obras, não deve ser porque tem fila para investir nisso. Aliás, nos últimos leilões os preços da eólica chegaram a ser melhores do que os da hidroelétrica. Ambos são amplamente subsidiados, e nenhum dos dois hoje é competitivo com o investimento na eficiência. As diferenças são duas: a primeira é que as hidroelétricas estão em curva decrescente de viabilidade (as ótimas e boas já ocorreram), enquanto a eólica está na curva crescente, por conta de escala e tecnologia. A segunda é que o subsídio se justifica um pouco mais no caso da eólica, por ter custos de externalidades socioambientais relativamente inferiores (relativamente, tá?). Quanto à fantasia do pré-sal, pouco a acrescentar: é fantasia e ainda caríssima, excludente de outros investimentos por conta da escala necessária. Em suma, no mundo da energia é muito fácil apontar as fantasias dos outros. Mas isso é argumento para briga entre vendedores, não de governante que responde pelo interesse coletivo.

Enfim, ao apontar as bobagens de supostos Arlequins, Dilma abusou de segredos de Polichinelo. Gostei mais de outra frase que ela pronunciou no mesmo discurso, quando disse que tem de “suar a camiseta tecnicamente”. Agora, é só levar a expressão a suas necessárias consequências: precisa suar tecnicamente para investir em pesquisa, inovação, tecnologia e eficiência, em vez que repetir o velho script dos mastodontes obsoletos.

*Roberto Smeraldi, jornalista, é diretor da OSCIP Amigos da Terra – Amazônia Brasileira e autor do Novo Manual de Negócios Sustentáveis
(Publifolha, 2009)





TEXTO DOIS: Cotas Raciais – Aspectos polêmicos

AUTORA: ROBERTA FRAGOSO KAUFMANN - Procuradora do Distrito Federal


Roberta Fragoso Kaufmann em Entrevista à Carta Forense

Carta Forense – O que são as ações afirmativas?
Roberta Fragoso Kaufmann – Pode-se conceituá-las como um instrumento temporário de política social, praticado por entidades privadas ou pelo governo, por meio do qual se visa a integrar certo grupo de pessoas à sociedade, objetivando aumentar a participação desses indivíduos sub-representados em determinadas esferas, nas quais tradicionalmente permaneceriam alijados por razões diversas, como deficiência física, idade ou classe social. Procura-se, com tais programas positivos, integrar determinado grupo de pessoas à sociedade.

CF – De certa forma, não promovemos assim um desequilíbrio no princípio da igualdade?
RFK – Para que isto não aconteça deve-se ficar bastante atento quanto ao critério eleito nas ações afirmativas. Assim, a constitucionalidade do programa vai depender da razoabilidade do critério: se verdadeiramente tal fator foi suficiente para ensejar a segregação dos indivíduos em determinadas esferas sociais, ou não. Não basta demonstrar a existência de preconceito e de discriminação para que determinado grupo seja beneficiário de uma política afirmativa.

Por exemplo: no Brasil, sabe-se que existe discriminação contra os homossexuais e os nordestinos. Mas tal fato, isoladamente, constitui-se em uma barreira intransponível, a ponto de os nordestinos/homossexuais não conseguirem ascender socialmente? Não! De maneira semelhante, acredito que no Brasil a cor, isoladamente, não funciona como um critério constitucionalmente válido para a concessão de ações afirmativas. Isto porque a cor da pele, aqui, jamais funcionou como barreira intransponível à ascensão social, de modo que diversos foram os negros que conseguiram superar o preconceito e a discriminação e atingiram cargos de prestígio, mesmo antes da abolição da escravatura. No Brasil, o problema da integração dos negros à sociedade decorre da perversa correlação entre pobreza e negritude, pela dificuldade inerente de romper o círculo de pobreza. Por outro lado, é necessário que existam critérios objetivos para determinar os verdadeiros beneficiados da medida afirmativa. Deste modo, a intensa miscigenação ocorrida no Brasil inviabiliza a aceitação do critério “cor” como um fator objetivo. Quem são os pardos no País?

CF – Diante do exposto, o modelo de cotas que se instaura no Brasil não é o ideal? Por quê?
RFK – O modelo não é o ideal, está longe disso. Atualmente, o que se observa no Brasil é a simples importação de um modelo que foi para uma outra realidade, a norte-americana, esquecendo-se das diferenças estruturais que existiram e ainda existem em relação à formação histórica e social de cada povo. Nos EUA, houve segregação institucionalizada, isto é, implementada e praticada por todos os níveis de governo, no âmbito dos três poderes. O problema nos EUA foi e é afetivamente relacionado à cor da pele.

O acesso a bens e direitos era determinado por meio da cor, especialmente quando a Suprema Corte norte-americana concedeu o beneplácito à instituição da política de “iguais, mas separados”, a partir do julgamento do caso Plessy vs. Ferguson (1896). Por outro lado, há de se destacar que a criação de ações afirmativas nos EUA não decorreu da pressão do movimento negro organizado, nem mesmo de teorizações sobre o principio da igualdade material ou da justiça compensatória.

De fato, não deixa de ser uma grande ironia o fato de o primeiro presidente norte-americano a verdadeiramente implementar esta política ser um branco, republicano e conservador, Richard Nixton, que durante a campanha presidencial havia se manifestado contrário às ações afirmativas (Kennedy e Johnson apenas proibiram a discriminação). E a política surgiu com Nixton por uma singela razão: em seu governo a crise racial se agravou assustadoramente, de modo que ou o governo tomava alguma providência para acalmar os ânimos da população exaltada ou haveria de suportar a segunda guerra civil. Obviamente, o fato de não termos tido qualquer tipo de segregação institucionalizada não obsta à constitucionalidade das ações afirmativas relativas ao negro no Brasil. Mas devemos ter em mente e batalhar para que o modelo a ser implementado aqui decorra da análise do nosso próprio contexto e não importar um modelo pensado alhures.

CF – Esta política de ações afirmativas foram usadas nos EUA. São situações muito diferentes? Qual a realidade brasileira?
RFK – É importante destacar que nos EUA jamais as cotas para negros em escolas e em Universidades foram julgadas constitucionais, mesmo considerando a segregação institucionalizada. Com efeito, diversas são as diferenças históricas e sociais entre o Brasil e os EUA, o que impede, decerto, a simples importação do modelo de ações afirmativas. A colonização portuguesa no Brasil nos fez herdar características já presentes naquele reino, em todos os aspectos da vida social. Os portugueses já estavam acostumados com a presença dos negros desde antes do descobrimento do Brasil: era um país altamente miscigenado, acostumado à presença constante dos mouros, que por 8 séculos dominaram a Península Ibérica. Quando Portugal resolveu colonizar o Brasil, não havia excedente populacional. Desse modo, a colonização foi efetivada majoritariamente por homens brancos, já que os portugueses não trouxeram consigo as famílias. Esse fato deu ensejo à relativa falta de mulheres brancas na colônia e conseqüente caldeamento dos portugueses com as índias e com as escravas negras. Essa conjunção de grupos distintos favoreceu a formação de um povo altamente miscigenado, como é o brasileiro. A patrilinhagem brasileira é eminentemente européia, enquanto que a matrilinhagem é predominantemente negra e indígena. Tal fato, por exemplo, explica a forte ascendência européia recentemente encontrada na análise do DNA de Neguinho da Beija-Flor (70%) e Daiane das Santos (40%), maior até do que o percentual africano em cada um deles. Ademais, Portugal nunca conheceu o feudalismo, o que significa dizer, em outras palavras, ausência de uma estrutura social rigidamente definida, ausência de castas. Esta característica também será importante para a formação do povo brasileiro. A estrutura social relativamente maleável, no Brasil, garantiu a alguns negros, mesmo na época do Brasil Colônia ou Império, em que vigente o sistema escravocrata, a possibilidade de alcançar postos de destaque. Deste modo, o negro livre no Brasil possuía status social definido, antes mesmo da abolição da escravatura. A história é pródiga em demonstrar que a cor não se constituiu, isoladamente, em fator impeditivo para a assunção de cargos públicos ou posições sociais de prestígio. Nessa linha, cite-se a Ordem de 1731, emanada por D. João V, que conferiu poderes ao Governador da Capitania de Pernambuco, Duarte Pereira, para que empossasse um mulato no cargo de Procurador da Coroa, de grande prestígio à época, afirmando que a cor não lhe servia como um impedimento para exercer tal função. E destaque-se que tal determinação ocorreu 157 anos antes da abolição da escravatura. Diversos são os exemplos a apontar a presença de negros nas classes sociais mais elevadas, como Henrique Dias, o Conselheiro Rebouças, Luís Gama, Tobias Barreto, José do Patrocínio, Machado de Assis, Cruz de Souza, Lima Barreto, Nilo Peçanha. Diferentemente, nos EUA, a colonização foi efetivada por famílias e a mão-de-obra escrava somente foi utilizada a partir do século XVIII.

Tais fatos, conjugados com a elaboração de diversas leis discriminatórias, praticamente impediram a miscigenação em larga escala. Outra distinção relevante decorre do modo segundo o qual se lidou a liberdade dos negros antes da abolição. No Brasil, a possibilidade de alforria era grande, o que não acontecia nos EUA. Com efeito, nos anos imediatamente anteriores à abolição da escravatura norte-americana, apenas 12,5% dos negros eram livres. Por não estarem acostumados à presença do negro na sociedade, a abolição ensejou graves conflitos raciais, como o surgimento da Ku Klux Klan, que teve, dentre seus membros, presidentes da República, congressistas em geral, governadores. Já no Brasil, a relativa facilidade para aquisição da alforria fez com que os brancos já estivessem acostumados à presença dos negros livres na sociedade antes da abolição, de modo que os escravos, quando libertos, não encontraram uma resistência social organizada. Em 1887, 90% dos negros já eram livres.

CF – Qual seria a medida ideal?
RFK – Nesse sentido, sugiro a adoção de ações afirmativas à brasileira, baseadas em nosso contexto histórico, econômico e social, em que a pobreza seja o critério objetivo levado em consideração, de modo que a política se destine aos comprovadamente pobres. No Brasil, o problema da integração do negro passa necessariamente por uma questão social. Por outro lado, uma observação importante no que se refere às modalidades de programas positivos é que estas não podem ser reduzidas à fixação de cotas. As cotas são apenas um dos mecanismos existentes na aplicação da política de proteção às minorias desfavorecidas e podem aparecer não somente com a reserva de vaga no vestibular, para ingresso nas universidades, mas ainda na porcentagem de empregos para determinados grupos. É preciso destacar, no entanto, que existem diversas outras modalidades de medidas positivas, como bolsas de estudo, reforço escolar, programa s especiais de treinamento, cursinhos pré-vestibulares, linhas especiais de crédito e estímulos fiscais diversos.

CF – O modelo atual de cotas é inconstitucional?
RFK – Em larga medida, a política de cotas fere o princípio da igualdade, porque os não-beneficiados acabariam por ser tratados de maneira desigual, na medida em que se delimita o direito de acesso a todos, com a redução no número das vagas disponíveis,.Assim, pessoas inocentes terminariam sofrendo as conseqüências de atos – o preconceito e a discriminação que impediram o acesso das minorias – para os quais muitas vezes não deram causa, e em relação aos quais, em tese, podem divergir profundamente. Se as ações afirmativas adotadas não forem numericamente fixadas por meio de cotas, os efeitos da política positiva seriam diluídos entre toda a sociedade e, assim, não haveria o risco de discriminar reversamente alguém, como acontece com os programas assistencialistas atualmente.

CF – Qual seu posicionamento sobre os critérios para averiguar quem é ou não negro?
RFK – Nesta questão se encontra uma das maiores diferenças entre Brasil e os EUA, no que concerne às relações raciais. Nos EUA, adotou-se o sistema birracial, baseado em critérios objetivos, no qual apenas duas cores existem: branca e a preta. Não há categoria de mulatos ou dos morenos. Dessa forma, são consideradas negras as pessoas que possuam quaisquer ascendentes africanos, mesmo que estes sejam antepassados longínquos. Tal critério tornou-se conhecido como a regra de uma gota de sangue, ou one drop rule. Destaque-se que o índice da população negra total nos Estados Unidos nunca conseguiu atingir os 20%, nem mesmo na época da escravidão, mesmo com a adoção da regra do one drop rule. Atualmente, são 10% da população. Por tal motivo, alguns dos presidentes da maior organização militante negra daquele país, a NAACP, espantosamente eram loiros dos olhos azuis. No Brasil, a definição da categoria racial não utiliza o critério da ancestralidade, mas uma conjunção de fatores, como aparência física e status social. A impressão de uma linha divisória entre branco e negros, no Brasil, fez com que sempre se utilizasse do sistema da autoclassificação, e mesmo assim apenas para fins censitários, o que, decerto, pode gerar imprecisão, ou má-fé de indivíduos. Apenas a título de exemplo sobre a impressão racial no Brasil, destaque-se que em 1976 foi realizada a pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. À pergunta: Qual é a cor do(a) senhor(a)?, identificaram-se espantosas 135 cores no País!

CF – Por isso ocorreu a confusão com os gêmeos idênticos de Brasília, onde um foi considerado negro e o outro não?
RFK – O problema é que na Universidade de Brasília se institui uma comissão para dizer a raça à que o individuo pertence, o que, do meu ponto de vista, é falho. Verdadeiramente, não há como se determinar quem é branco e quem é negro no Brasil, o desafio, obviamente, é conseguir identificar o pardo. Retroceder à utilização de critérios objetivos para determinar a ancestralidade, por outro lado, parece-me totalmente fora de consideração, mesmo porque se fôssemos adotar a regra da ancestralidade, quem no Brasil não seria afrodescendente? Somos um país miscigenado desde os primórdios da colonização. Deste modo, acredito que nós podemos adotar outro modelo de ação afirmativa no Brasil na qual a maioria dos negros seriam integrados – por meio das cotas sociais, já que 73% dos pobres são negros – e a partir de critérios que não deixariam margem para dúvidas acerca dos beneficiados (haver estudado em escolas públicas e possuir determinado nível de renda).


RFK – Infelizmente, sim. Quando defendi a minha tese de mestrado, na Universidade de Brasília, o meu carro foi pichado com dizeres: “O mérito é a maior burrice e você é a maior prova disso” e “Sua loura FDP”. Isto porque fui aprovada no mestrado por meio de um concurso público. No entanto, sei que grande parte dos negros comunga do entendimento de que o problema de inserção é efetivamente social e que se a perversa barreira da pobreza for derrubada, certamente todos conseguirão alcançar seu espaço na sociedade.

*É Procuradora do Distrito Federal; Mestre em Direito do Estado pela Universidade de Brasília; MBA em Direito pela FGV; Professora de Direito Constitucional e Administrativo na Escola da Magistratura do Distrito Federal e na Escola do Ministério Público.