quarta-feira, 10 de abril de 2013

A MENTE REVOLUCIONÁRIA E A DICOTOMIA ENTRE ESQUERDA E DIREITA PARTE I


A mente revolucionária e a dicotomia entre esquerda e direita –parte I

debate
A morte de Hugo Chávez, o blog de Yoani Sánchez, os embates partidários no Brasil – e em qualquer lugar no mundo, diga-se de passagem – alertam sobre a relevância de uma antiga discussão: os conceitos de esquerda e de direita ainda fazem sentido? O que eles ainda denotam? Depois do fim da União Soviética, esses conceitos têm sido suavizados e até negados por parte da mídia, por intelectuais e por políticos. Seriam conceitos ultrapassados e tributários da lógica da Guerra Fria – e já não mais corresponderiam ao mundo pós-ideológico. Mas, convenhamos: é ainda muito cedo para proclamar a morte das ideologias. A dicotomia entre esquerda e direita nunca foi enterrada. Ela ainda pauta visões de mundo e distingue lados opostos em qualquer debate político. Ela vive – mais pujantemente em alguns lugares, menos em outros. Mas é fato: vive.
O que significa ser de direita e ser de esquerda nesse começo de século XXI? Opor socialismo ao capitalismo? Há ainda quem o faça. Mas há também quem afirme que essa discussão não faz mais sentido. Afinal, o socialismo, como alternativa econômica, teria acabado. Talvez. Mas não chegou ao fim uma discussão importante que está circunscrita a essa disputa ideológica: como podemos superar a pobreza e promover o desenvolvimento econômico e a justiça social? É ainda possível – ou necessário – construir e implementar um projeto político, que abrangerá toda a sociedade, para atingir esses objetivos? Em outras palavras: é ainda possível – ou necessário – lutar pela revolução? As respostas divergem.
Em toda a minha breve vida (tenho 26 anos), não foram poucos os professores, intelectuais, acadêmicos e artistas que tentaram me convencer de uma verdade simples: as mazelas do mundo, da pobreza à ignorância, possuem no capitalismo sua origem. Esse sistema de produção, fundamentado no lucro e na exploração do trabalho, condena milhões de pessoas à pobreza e à alienação. Não seria difícil perceber essa verdade, principalmente em países como o Brasil: bastaria olhar as ruas e ver os miseráveis, as favelas, as crianças em lixões, os idosos desamparados e todo o sofrimento que os acompanha. Enquanto isso, há alguns poucos ricos com seus grandes carros, apartamentos luxuosos, mansões cercadas com muros altos e toda a bonança de bens e serviços à disposição de quem tem dinheiro. A conclusão? As desigualdades sociais estão na raiz de todos os problemas. Superá-las é nosso dever e nossa obrigação moral, se quisermos um mundo mais justo. E um mundo justo, sem divisões de classes, sem pobreza e sem sofrimentos desnecessários é um sonho pelo qual vale lutar. Ou não?
Não. Não da forma como essa análise acima sugere. É possível superar a pobreza e as desigualdades. É possível reduzir o sofrimento humano e dar acesso a bens e serviços, como saúde e educação, a grande parte da população – ou a toda população. É possível atingir o desenvolvimento econômico. É possível promover a inclusão social. Diversos países conseguiram isso. Mas o desenvolvimento econômico e social nunca foi e nunca será atingido por meio da reinvenção da sociedade. Nada disso foi – ou será – atingido por meio de qualquer outro projeto político utópico e revolucionário.
Os países que superaram a pobreza, que atingiram elevados índices de desenvolvimento humano, que possuem elevada renda, não o fizeram por meio da construção de uma sociedade planejada. Conseguiram superar essas mazelas sociais por meio da ampliação da liberdade econômica e da participação política; do respeito ao estado de direito; e de regras claras e válidas para todos. Diversos países conseguiram desenvolver-se economicamente e socialmente porque construíram instituições políticas e econômicas inclusivas – e assim ampliaram as chances de cada indivíduo prosperar por meio de seus esforços e de seus empreendimentos. Além disso, com a riqueza produzida, puderam oferecer aos mais necessitados uma rede de proteção. Essas mudanças não tiveram origem no planejamento social ou na brilhante mente revolucionária de um líder.
A história – principalmente a história do século XX – ensinou que não há nada mais opressor do que as tentativas de impor, de cima para baixo, um projeto político cujo objetivo é transformar a humanidade. A necessidade de criar o novo homem e de promover o bem comum estão nas raízes de todos os totalitarismos do século passado. Criar nova sociedade por meio de um projeto sempre exigirá que se esvaziem dos indivíduos todas as suas verdades e necessidades “egoístas” em nome da coletividade, que será representada por um partido ou por um condutor das massas – em certos casos, por ambos.
Convém lembrar que não existe regime de força que tenha se instalado sem prometer promover o bem comum. No entanto, não existe um “bem comum” unicamente determinado com o qual todas as pessoas concordam ou sejam levadas a concordar. Isso se deve, principalmente, ao fato de o “povo” não ser uma unidade produtora de desejos. Os desejos emergem dos indivíduos. São os indivíduos que pensam, sentem e expressam suas vontades, muitas vezes organizados em grupos, ao passo que o “povo” é uma categoria sociológica, uma forma de designar um aglomerado de indivíduos em convívio coletivo. Para destacar um bem comum – ou um “interesse comum” – seria necessário, portanto, circunscrever em único valor a expressão de cada um dos diferentes desejos dos indivíduos que ali estão organizados. O fato de um interesse ser compartilhado por um grupo de indivíduos não faz dele um “interesse comum”, pois, para que isso fosse possível, seria necessário ignorar dissidências ou tomar a opinião de determinado grupo, ou até da maioria, como totalizadora. É possível, por exemplo, recorrer às maiorias quando se escolhe entre alternativas limitadas – tal como na eleição de um governante. Entretanto, acreditar que haverá sempre uma opinião comum sobre todas as coisas não é racional.
Dessa forma, uma vez que não se pode determinar um “bem comum” em torno do qual são estabelecidas as preferências individuais, não podemos chegar à ideia de uma “vontade geral” ou de um “plano coletivo” capaz de guiar os rumos de uma sociedade. Cada um que fala em nome dessa “vontade geral” tem sua própria perspectiva sobre o que isso seja – e seus próprios interesses em fazer com que os outros acreditem que isso ou aquilo deva ser considerado interesse comum. Nesse sentido, a característica compartilhada por todos os sistemas coletivistas é a organização das atividades da sociedade em torno de um objetivo social definido. O comunismo, o fascismo e o nazismo poderiam, por exemplo, diferir entre si quanto ao objetivo que querem alcançar, mas convergiam no sentido de tentar organizar a sociedade inteira e seus recursos em torno dessa finalidade única – sempre imposta como a vontade do povo.
Vejam bem: a grande crítica à mentalidade revolucionária, que acompanha boa parte da esquerda, não está na validade da luta por justiça social ou por inclusão. Olhem para o feminismo, para a luta de negros contra o racismo, para os grupos de homossexuais que buscam assegurar seus direitos. Cada um desses movimentos tem, na sua essência, a busca pela valorização da autonomia dos indivíduos que querem e devem viver livres de ditames ou de preconceitos alheios. Essas lutas – assim como a luta pela superação da pobreza – podem ser travadas dentro das regras do jogo de instituições democráticas. O que se critica é a ideia de refundar uma sociedade, por meio de um projeto político, ou de um plano coletivo. O que se critica também é o aparelhamento a que militantes submetem as chamadas “lutas populares” ou de segmentos da sociedade, sejam os sindicatos, sejam as chamadas minorias. Por meio desse aparelhamento, tudo se converte, no fim das contas, em mero discurso ideológico, destinado a exaltar a igualdade como uma abstração e a exaltar um partido ou líder como único e legítimo porta-voz dos excluídos.
Diogo Ramos Coelho é diplomata e formado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB)

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