sexta-feira, 27 de abril de 2012

Para inglês ver

Documentos liberados pelo Itamaraty apimentam discussão sobre apoio do Brasil à Argentina na Guerra das Malvinas, em 1982. Postura oficial de neutralidade já era contestada naquele tempo
Alice Melo



General Figueiredo e o então presidente da Argentina, Videla, em 1980

Na última semana, uma reportagem do jornal “O Globo” gerou um grande debate ao expor a participação do Brasil num tráfico internacional de armas, durante a Guerra das Malvinas, que ocorreu há exatos 30 anos. Os repórteres se basearam em documentos confidenciais, recentemente liberados pelos arquivos do Conselho de Segurança Nacional e do Itamaraty. O material sugere que o governo brasileiro sabia do uso de territórios nacionais como posto de pouso de aviões carregados de armamentos, oriundos da Líbia e de Israel, com destino à Argentina. Os documentos revelados no periódico reiteram o que a historiografia vem discutindo há tempos: o Brasil não foi neutro durante o conflito.

“Era muito interessante para o Brasil, em questões diplomáticas, mostrar-se oficialmente neutro – principalmente para a Inglaterra e para os Estados Unidos”, conta Adler Homero Fonseca, pesquisador do Iphan e especialista em armamento militar. “Mas, ao mesmo tempo, era positivo para o governo dizer à sociedade que estava apoiando secretamente a Argentina. Isso poderia ser visto como uma independência na política internacional”, destaca o historiador. Ele comenta que, já na época da guerra, a imprensa divulgou fotografias de aviões vindos da Líbia, estacionados em aeroportos nacionais, mas não se tinha certeza do que exatamente eles transportavam.

Apesar do histórico de rivalidade política com os vizinhos, o Brasil tentou se aproximar da Argentina durante os anos 1980, pensando em sua projeção no cenário internacional – na época, as relações internacionais brasileiras ainda eram muito presas aos interesses norte-americanos, coisa que só começou a mudar nos últimos dez anos.

Empréstimos aos hermanos

Ainda assim, o apoio à Argentina na Guerra das Malvinas não podia ser explícito: o governo do general argentino Leopoldo Galtiere chegou a pedir mísseis brasileiros para utilizar em ataques, mas teve a solicitação negada. Apesar do "não", o país comandado por João Batista Figueiredo à época disse "sim" a outros empréstimos e participou nesta aliança de outras formas, como cedendo aviões de patrulhamento marítimo, foguetes, caças e, em dado momento, até reteve uma aeronave inglesa em solo brasileiro.

A reportagem “Disputa reacesa”, publicada no site da RHBN em 2010, traz um trecho de um documento liberado em 2006 pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) – no qual a embaixada britânica condena a postura das autoridades brasileiras frente ao conflito: “À luz das antigas e amistosas relações entre a Grã-Bretanha e o Brasil, o governo de Sua Majestade Britânica acredita ter o direito de esperar tratamento equilibrado na atual situação de crise. Nesse contexto, tem conhecimento de que aviões militares argentinos e outras aeronaves utilizaram e continuam utilizando aeroportos brasileiros ao transportarem equipamento militar para uso pela Argentina”. A postura era tão dúbia que não ficou camuflada nem aos olhos dos ingleses.



A guerra

Em 1982, a ditadura militar argentina não ia bem das pernas: a crise econômica era grave e a população estava cada vez mais insatisfeita. Apelando para o sentimento nacionalista, o governo Galtiere invadiu as Ilhas Malvinas – chamadas pelos britânicos de



Guerra das Malvinas deixou mais de 400 mortos no lado argentino

Falklands – e desafiou a Inglaterra pela soberania do território. O conflito durou poucos meses (até junho do mesmo ano) e gerou consequências amargas à parte sul-americana envolvida: além dos mais de 400 mortos, a guerra produziu centenas de veteranos traumatizados e pôs um ponto final na administração autoritária do país sul-americano.

Hoje, as ilhas continuam sob poder da Inglaterra, mas a Argentina ainda tenta trazer à tona o debate internacional sobre a soberania para tentar reavivar o nacionalismo da população num momento de crise política. “As Malvinas são um tema nacional, algo que toca o sentimento de todos os argentinos, independente da filiação politica. A presidente Cristina Kirchner aproveitou a efeméride dos 30 anos para reacender o nacionalismo, mas o exército argentino não tem condições psicológicas, financeiras e tecnológicas para enfrentar uma guerra contra a Grã-Bretanha”, conta Tomaz Espósito Neto, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados.

Para ele, a situação política deve permanecer a mesma porque a Inglaterra não deve ceder. Principalmente porque o território envolveu um conflito armado há pouco tempo e, recentemente, foi apontado como uma possível grande reserva de petróleo. O conflito de interesses está longe de acabar.



Sigilo de documentos

Os documentos que suscitaram o debate foram liberados pelo Itamaraty já obedecendo a nova "lei de arquivos", em vigor desde o ano passado, que colocou fim ao sigilo eterno de documentos oficiais. Agora, textos rotulados como "ultrasecretos", por exemplo, têm prazo máximo de 50 anos para permanecer longe do acesso da sociedade. A medida vai facilitar a pesquisa sobre as decisões políticas do passado do país, por anos mantidas sob segredo absoluto.

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