sábado, 25 de fevereiro de 2017

Exploração do Trabalho Escravo na África



História da escravidão: Exploração do trabalho escravo na África

Érica Turci

Desde milênios, em todos os cantos do mundo, a escravidão foi uma prática comum e aceita por diversos povos. Somente a partir do século XIX é que o comércio de pessoas passou a ser criticado, e em muitas regiões foi abolido (pelo menos legalmente). Hoje em dia, apesar da existência de milhões de indivíduos ainda trabalhando como escravos, tal situação é considerada um crime pela comunidade internacional.
Mas o que é ser um escravo? Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss, em sua primeira acepção, escravo é "quem ou aquele que, privado da liberdade, está submetido à vontade absoluta de um senhor, a quem pertence como propriedade".
Um indivíduo pode se transformar em escravo de diversas maneiras:
  • por ser um prisioneiro de guerra;
  • por contrair uma dívida, que seria paga com seu trabalho (por um tempo determinado ou pela vida toda);
  • por ter cometido um crime e sendo, portanto, punido com a escravidão;
  • por se oferecer como escravo em troca de alimento ou bens para a salvação de sua família ou comunidade em grande dificuldade;
  • por pertencer a povos inimigos ou ser considerado culturalmente inferior.
Dessa forma, o escravo, sendo uma propriedade, pode ser vendido, emprestado, alugado e até morto, segundo as necessidades do seu senhor.
A escravidão foi praticada por diversos povos durante toda a história, de modos diferentes e específicos. Em algumas civilizações, como no Egito Antigo, por exemplo, o escravo não era a base da produção, sendo o camponês livre obrigado a prestar serviços ao Estado na forma de corveia (trabalho temporário sem remuneração). Aos escravos cabia o trabalho doméstico e militar.
Ao contrário, na Roma Antiga, toda produção das grandes fazendas, todo serviço nas obras públicas (incluindo as diversões nas arenas de gladiadores) recaía sobre a massa de escravos e por isso chamamos a civilização romana de civilização escravista.
Em vários haréns, no Oriente, as concubinas do grande sultão, xeque ou xá, eram escravas e muitas delas eram negociadas ou capturadas na região do Cáucaso (entre a Rússia e o Oriente Médio).Portanto, nem sempre a escravidão foi baseada numa diferença étnica: às vezes um parente distante precisava de ajuda e se submetia a uma escravidão temporária. Ou seja, quando queremos refletir sobre a escravidão, precisamos compreender como ela se desenvolveu para aquele povo específico que estamos estudando.
A escravidão entre os povos africanos
A escravidão existiu na Ásia, na Europa, nas Américas e na África. Muitos dos povos africanos utilizavam escravos para os mais diversos fins, e como cada povo africano tem sua própria organização política, econômica e social, a escravidão na África se desenvolveu de muitas formas.
De uma maneira geral, partindo da história de grande parte desses povos, podemos dizer que existia na África uma escravidão doméstica, e não uma escravidão mercantil, ou seja, entre vários povos africanos, o escravo não era uma mercadoria, mas sim um braço a mais na colheita, na pecuária, na mineração e na caça; um guerreiro a mais nas campanhas militares.
Esses povos africanos preferiam as mulheres como escravas, já que eram elas as responsáveis pela agricultura e poderiam gerar novos membros para a comunidade. E muitas das crianças nascidas de mães escravas eram consideradas livres pela comunidade. A grande maioria dos povos africanos eram matrilineares, ou seja, se organizavam a partir da ascendência materna, partindo da mãe a transmissão de nome e privilégios. Dessa forma, uma mãe escrava poderia se tornar líder política em sua sociedade, por ter gerado o herdeiro à chefia local.
Além disso, um escravo que fosse fiel ao seu senhor poderia ocupar um cargo de prestigio local, inclusive possuindo escravos seus. Assim, nem sempre ser escravo era uma condição de humilhação e desrespeito. Mesmo representando uma submissão, tratava-se de uma situação que muitas vezes era a mesma que a de outras pessoas livres.
Os árabes e o tráfico de escravos africanos
Ao lado da escravidão doméstica também existia o comércio de escravos. Algumas sociedades africanas viviam da guerra para a captura de pessoas para serem vendidas a outros povos que necessitavam de escravos. Como na África existiam várias etnias, vários grupos políticos diferentes (os africanos não eram um único povo), as guerras entre eles eram muito frequentes, e uma consequência disso era escravização dos vencidos, que podiam ser vendidos, segundo a necessidade do vencedor.
O comércio de pessoas se intensificou no século VII, quando os árabes conquistaram o Magreb e o leste africano. Os árabes eram grandes mercadores de escravos, e conseguiam suas mercadorias humanas em diversas regiões: Espanha, Rússia, Oriente Médio, Índia e África. Os escravos comprados nessas regiões eram vendidos principalmente na península Arábica, mas também podiam ser vendidos em regiões mais distantes, como na China.
Com o aumento da demanda por escravos nos portos africanos controlados pelos árabes, aumentou também o número de povos africanos que passaram a viver (e sobreviver) da captura de inimigos ou de grupos mais fracos, para vendê-los. Acredita-se que entre os séculos VII e XIX, em torno de 5 milhões de africanos tenham sido comprados na África pelos árabes.
Nesse processo, muitas tribos, cidades, reinos africanos se fortaleceram, pois controlavam as rotas de comércio de escravos. E quanto mais fortes e ricos se tornavam, mais tinham condições de oferecer mais mão de obra escrava para os árabes. Foi o caso do Reino de Mali, Reino de Gana, as cidades iorubas, o Reino do Congo e as cidades suaílis, e várias outras.
Os portugueses e o tráfico de escravos africanos
Apesar de o comércio de escravos já ser praticado na África, foi com a chegada dos portugueses nesse continente que o tráfico escravista se configurou na maior migração forçada de povos da história. Os pesquisadores apresentam números diferentes, que vão de 8 milhões até 100 milhões de pessoas obrigadas a deixar a sua terra natal, atravessar o oceano Atlântico para ser escravo em regiões distantes.
Quando os portugueses chegaram a Ceuta, no início do século XV, iniciaram a captura e escravização dos africanos das redondezas, com a justificativa de que eram prisioneiros de guerra e muçulmanos, considerados inimigos da fé católica europeia.
A partir de então, em pleno processo de Expansão Marítima, os portugueses avançaram em direção ao sul, na costa atlântica da África, em busca de riquezas para serem comercializadas e foram descobrindo o comércio de escravos. Num primeiro momento, o comércio de gente não interessou aos navegadores portugueses, já que a Europa não tinha necessidade de mão de obra escrava.
Quanto mais os portugueses avançavam na costa africana, mais sentiam a necessidade de se estabelecer em alguns pontos de comércio, para consolidar sua exclusividade na região. Em 1455 os portugueses construíram sua primeira feitoria na África: o forte de Arguim (na região da Senegâmbia, atualmente Mauritânia). Para manter essa feitoria, os portugueses passaram a utilizar escravos africanos e a comercializá-los.
Muitos portugueses tentavam capturar os africanos, mas em pouco tempo perceberam que era mais lucrativo entrar nas redes de comércio de escravos já existentes, e por isso começaram a buscar essa mercadoria junto aos povos do litoral. Um dos primeiros povos aliados dos portugueses no tráfico de escravos foram os jalofos, na Senegâmbia. Em troca de escravos, os jalofos conseguiam cavalos dos portugueses (um cavalo era trocado por 15 ou 20 escravos) e armas de fogo, o que aumentava o seu poder de guerra e de conquista de mais escravos.
Com o início da colonização das ilhas de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe (na segunda metade do século XV), a necessidade de mão de obra aumentou, e a compra de escravos foi a solução encontrada pela Coroa portuguesa. Por essa mesma época, os portugueses chegaram à Costa da Guiné (atualmente desde a Guiné até a Nigéria), onde encontraram povos ricos que já negociavam com os árabes e puderam comercializar ouro, especiarias e escravos. Tamanha era a riqueza da região que os portugueses passaram a chamá-la de Costa do Ouro, Costa da Mina e Costa dos Escravos.
Em 1482, o navegador português Diogo Cão chegou até ao Reino do Congo e conseguiu fazer alianças com o manicongo ("senhor do Congo") Nzinga Kuvu. Nessas alianças existiam interesses mútuos: os portugueses queriam ter maior acesso às redes de comércio da África, e o manicongo pretendia obter as técnicas de guerra e de navegação dos portugueses. Inclusive o manicongo se converteu à religião católica, passando a se chamar dom João.
Por quatro séculos, a maior fonte de escravos do tráfico atlântico português se deu a partir do Reino do Congo e do reino vizinho, Andongo, chamado pelos portugueses de Angola. Isso ocorreu principalmente quando os portugueses conseguiram o direito de negociar mão de obra para exploração espanhola da América (o direito de Asiento) e passaram a precisar de mão de obra para desenvolver sua própria colônia americana: o Brasil.
Érica Turci é historiadora e professora de história formada pela USP.

Bibliografia

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