Ile de La Cité - Paris
“A
cidade que Marcel (Etienne Marcel – Preboste dos Comerciantes, que
correspondia à função de prefeito da cidade) governava cobria uma
área que, em sua disposição atual ia desde os Grand Boulevards, na
margem direita (do rio Sena), até o Jardim de Luxemburgo, na margem
esquerda, e de leste para oeste estendia-se da Bastilha às
Tulherias. Tudo que ficava além desses limites era faubourg, ou
campo. O centro de Paris era a Ile de La Cité, no meio do Sena, na
qual ficavam a catedral de Notre-Dame, o Hotel Dieu ou Hospital
público, e o palácio real construído por São Luis (Luis IX, Rei
de França – 1214-1270). A margem direita, que se estendera além
das velhas muralhas, era o local do comércio, da indústria, dos
mercados públicos, do comércio de luxo e das residências
opulentas, ao passo que a margem esquerda, muito menor em área
povoada, era dominada pela universidade. De acordo com um
levantamento fiscal do ano de 1292, a cidade tinha, na época, 352
ruas, 11 ruas transversais, dez praças, 15 igrejas e 15 mil
contribuintes. Cinquenta anos depois, na época de Marcel, sua
população total, depois da Peste Negra, era provavelmente de cerca
de 75 mil habitantes.
As
principais ruas eram pavimentadas (com pedras) e bastante largas para
a passagem de duas carroças ou carruagens, enquanto as outras eram
estreitas, lamacentas e malcheirosas, com um esgoto correndo no meio.
A rua era o local onde o cidadão médio lançava todos os detritos e
dejetos, e nos bairros pobres havia, em geral, um monte de lixo em
cada porta. Os moradores deveriam levar os depósitos de dejetos para
poços próprios e eram lembrados, por repetidas determinações
municipais, que tinham que pavimentar e varrer a entrada de suas
casas.
O
congestionamento do tráfego bloqueava as ruas estreitas quando
tropas de burros, com cestos de ambos os lados, se encontravam com
vendedores com suas bandejas, ou carregadores curvados sob feixes de
lenha e sacos de carvão. Tabuleiros de tavernas (bares) presas a
compridos postes de ferro aumentavam ainda mais o congestionamento.
As tabuletas das lojas eram enormes, para atrair a atenção dos
fregueses, pois os lojistas estavam proibidos de chamá-los enquanto
estivessem na loja vizinha. Um dentista era representado por um dente
do tamanhp de uma cadeira; o luveiro, por uma luva com dedos
suficientemente grandes para conter uma criança.
O
barulho das tabuletas agitadas ao vento competia com os gritos dos
vendedores de rua, dos condutores de burros, o tropel dos cavalos e
as comunicações dos pregoeiros públicos. (…) Os pregoeiros
anunciavam, duas vezes ao dia, decretos oficiais, casas à venda,
casamentos, novos impostos, crianças desaparecidas, funerais,
nascimentos e batismos.
Cada
ramo de comércio tinha sua própria rua – açougueiros e
curtidores em volta do Châtelet, cambistas, ourives e negociantes de
tecidos na Grand Pont, escribas e ilustradores de livros e vendedores
de pergaminhos e tintas na margem esquerda, junto da universidade.
Havia ainda lojas ao ar livre de chapeleiros, marceneiros,
ceramistas, barbeiros, ferreiros, farmacêuticos, lavadores e
peixeiros.
Em
todos os bairros havia banhos públicos, tanto de vapor quanto de
água quente. No início do século XIV, eram 26 os estabelecimentos
desse tipo na cidade. Embora considerados uma ameaça para a moral,
especialmente das mulheres, eram vistos como uma contribuição para
a limpeza e a cidade se empenhava para mantê-los abertos,
especialmente no inverno, quando o combustível encarecia. Não
podiam admitir prostitutas, leprosos, homens de má reputação,
vagabundos e não podiam abrir antes do amanhecer, já que à noite
as ruas eram muito perigosas.
A
água era fornecida à cidade por fontes públicas. Alimentadas por
aquedutos que vinham de fora da cidade. Frutas, verduras e outros
alimentos vinham especialmente de barco pelo rio, a partir dos
faubourgs, a área rural.
Durante
o dia, além do movimento do comércio, mendigos pediam esmola à
porta das igrejas, monges mendicantes imploravam pão para suas
ordens, mágicos e artistas estavam em toda parte, e contadores de
histórias recitavam aventuras, especialmente dos combates em terras
sarracenas (árabes)
(…)
Aos domingos todos os negocios fechavam, o povo ia à igreja e, em
seguida, os trabalhadores reuniam-se em tavernas, enquanto os
burgueses passavam nos faubourgs.
As
casas, em geral, eram modestamente mobliadas, mesmo em residências
nobres. Havia poucas cadeiras e, geralmente, as camas serviam tanto
para sentar quanto para dormir. As camas eram cobertas por cortinas,
colchas decoradas e tapeçarias, nas casas nobres, ou por peles de
animais, nas casas mais modestas, uma vez que eram mais baratas do
que a lã.
O
aquecimento era feito por lareiras embutidas nas paredes ou por
fogões e caçarolas com brasas nas casas mais simples. A iluminação
ficava por conta de tochas colocadas do lado de fora das casas,
fixadas em muros e paredes externas, próximas às janelas.
Havia
também poucos quartos, as pessoas dormiam juntas, inclusive os
visitantes. Não havia privacidade. Os criados dormiam em qualquer
lugar, em qualquer canto enrolados em suas peles.
O
chão era coberto por palha e ervas aromáticas para encobrir o mal
cheiro (os mais ricos espalhavam flores), especialmente no verão.
Ficavam repletos de excrementos de animais, pulgas e outros insetos.
Eram trocados quatro vezes por ano, ou uma vez por ano, nas casas
mais pobres.
Ao
anoitecer, o sino dava o toque de recolher, anunciando a hora do
fechamento, o trabalho cessava, as lojas eram fechadas, o silêncio
substituia a agitação. Às oito horas a cidade ficava às escuras.
Apenas as esquinas eram iluminadas por velas ou lâmpadas a òleo
colocadas em nichos de Nossa Senhora ou do Santo Padroeiro do bairro.
Ninguém ousava sair à noite.
As
ruas não tinham nome, de modo que as pessoas eram obrigadas a
procurar durante horas para encontarar o lugar desejado
Texto
Adaptado de: “Um Espelho Distante: O Terrível Século XIV” - de
Bárbara W. Tuchman
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