Seguem dois exemplos históricos:
1. Movimento liderado por estudantes reivindica autonomia frente a Moscou e o direito de buscar seus próprios caminhos políticos. HUNGRIA, 1956. Tanques soviéticos esmagam o movimento e governo pró-soviético persegue opositores.
2. Na Tchecoslováquia, em 1968, movimento conhecido como "Primavera de Praga", que também buscava libertar o país da órbita soviética, termina da mesma forma: tropas, tanques, violência e perseguição política
ENTREVISTA:
A
crise na Ucrânia é séria demais, diz historiador britânico.
Putin não deve se iludir de que tropas russas vão ser bem
recebidas.
Tim
Snyder, historiador. (Foto Ines Gundersveen)
“Não
me surpreendo em nada com o que aconteceu neste sábado,”
afirma, durante uma visita a Viena, o historiador britânico Timothy
Snyder. Ele é professor do Departamento de História da Universidade
de Yale, em Connecticut, escreveu dois livros sobre a Ucrânia
e tem publicado artigos sobre a crise na antiga república soviética
em que alertou para o desfecho de uma intervenção militar.
O
livro mais recente de Snyder é Bloodlands,
Europe Between Hitler and Stalin (2010), uma
elogiada história do genocídio de 14 milhões de civis praticado em
nome de duas utopias, a de classe, por Stalin, e a da raça, por
Hitler.
O
professor é cauteloso na previsão do desdobramento da decisão de
Vladimir Putin de formalizar a intervenção no parlamento russo mas
alerta que a crise entrou num território em que algo terrível pode
acontecer. A seguir, a entrevista do Professor Snyder ao Estado.
Porque
o senhor classificou, num artigo recente, a evolução da
crise ucraniana de uma guerra de propaganda?
O
que aconteceu na Ucrânia foi uma revolução popular contra um
autocrata, mas seu governo, com apoio da Rússia, rotulou os
manifestantes de fascistas de extrema direita. O governo foi deposto
mas a Rússia continua a propagar esta ideia. Chamo a sua atenção
para o fato de que, em várias cidades russas já começaram os
protestos contra a decisão de Putin. E especialmente destaco o fato
de que uma petição assinada por mais de 70 mil membros da população
étnica russa dentro da Ucrânia pediu a Putin para não invadir
país. Então, é uma falsidade achar que a população que se sente
culturalmente ligada à Rússia no leste da Ucrânia está pedindo
uma invasão.
Se
o senhor não se surpreende com o que aconteceu, qual seria o próximo
passo lógico de Putin?
É
muito difícil fazer previsões sobre Putin e não vou arriscar aqui.
O voto unânime da câmara alta do parlamento russo
autorizando a intervenção, era previsível. O problema é
que, em poucas horas, Putin já foi longe demais, violando dois
acordos internacionais. Ele violou o acordo assinado com os Estados
Unidos e a Grã-Bretanha em 1994 de respeitar a independência
ucraniana em troca de a Ucrânia abrir mão de seu arsenal nuclear.
E, em 2010, A Rússia assinou um acordo para renovar sua base militar
em Sevastopol, sob a condição de que suas tropas não poriam as
botas fora do perímetro da base.
O
senhor concorda com observadores que disseram que a situação na
Ucrânia não deve ser comparada a 2008, quando a Rússia invadiu a
Geórgia, mas a 1998, quando invadiram a Checoslováquia?
Vejo
semelhanças não só nos tanques soviéticos em Praga, em 1998, como
na invasão da Hungria, em 1956, especialmente na escalada de
propaganda que precedeu as ações. Mas, nós temos memória curta.
Nos dois casos, um movimento reformista num país vizinho começa a
ser bem sucedido e a ação militar é justificada como combate à
opressão do fascismo. O discurso agora é muito parecido com o da
antiga União Soviética. Uma diferença é que não houve revoluções
populares como a que vimos na Ucrânia.
Como
o senhor responde à pergunta, agora repetida, “voltamos à Guerra
Fria?
Não
podemos voltar à Guerra Fria porque a China é poderosa demais. A
Guerra Fria era bilateral. Além disso, os europeus são mais
independentes dos Estados Unidos, com seus 500 milhões de habitantes
e seu poder econômico. A outra questão é que a Guerra Fria era
sobre política externa. E a escalada da crise ucraniana é um
substituto para uma política doméstica. Vladimir Putin precisa de
aventuras no exterior porque ele não pode fazer as reformas
estruturais necessárias para a Rússia. Putin não terá um legado
de reforma interna.
Barack
Obama conversa com Vladimir Putin (Foto Casa Branca)
Como
o senhor vê a reação do governo Obama à crise? A oposição
republicana usa a Ucrânia como exemplo de que Barack Obama é
ingênuo e não inspira respeito de seus adversários no exterior.
Antes
de tudo, vamos deixar claro que este não é o momento para
politicagem partidária. A crise é séria demais. O Obama não é
particularmente interessado na Europa, na herança da Guerra Fria e
sua equipe de política externa reflete isto. Acho que foi ingênua a
política inicial de “reset” com a Rússia, ainda sob o Medvedev,
a ideia de que, se os Estados Unidos se comportarem bem a Rússia
faria o mesmo. O Obama não tem sido realista em relação a Moscou
nos últimos anos e os russos têm razão quando argumentam que Obama
não prestou atenção na Rússia. Onde eles podem se enganar é em
subestimar a capacidade de Washington de prestar atenção partir de
agora.
O
senhor se refere ao poder de retaliação? Se a reação militar é
descartada, o que resta?
De
novo, não vou arriscar previsões mas não consigo imaginar que a
resposta de Obama não vá ser séria. O que ele deve fazer agora é
ser discreto e não fazer nada por algum tempo. Mas o Ocidente pode
machucar a Rússia e muito, com sanções financeiras. Lembro que
toda a oligarquia russa coloca seu dinheiro e educa seus filhos na
Europa e nos Estados Unidos. Um cenário em que a elite russa tenha
seus bens bloqueados e não possa viajar cria um problema grande para
Putin.
Qual
é, na sua opinião, o maior risco da crise no momento?
Eu sabia que chegaríamos a este ponto e um dos meus grandes temores é que Putin acredite no que diz a respeito da Ucrânia, que o país não é um Estado ou uma nação real, deve ser parte da Rússia. Mesmo os ucranianos que se identificam mais com a Rússia consideram seu país uma nação soberana. Se Putin acha que as tropas russas vão ser saudadas como liberadoras, a ilusão pode ter consequências terríveis.
Eu sabia que chegaríamos a este ponto e um dos meus grandes temores é que Putin acredite no que diz a respeito da Ucrânia, que o país não é um Estado ou uma nação real, deve ser parte da Rússia. Mesmo os ucranianos que se identificam mais com a Rússia consideram seu país uma nação soberana. Se Putin acha que as tropas russas vão ser saudadas como liberadoras, a ilusão pode ter consequências terríveis.