Jovem enterra mãe e irmãs mortas de sede em rota de imigração no Saara
Fonte: BBC Brasil
Migrantes
morreram de sede no trajeto entre Niger e Argélia
Os
corpos de 92 pessoas foram encontrados no Deserto do Saara, no norte
do Níger, na quinta-feira. Elas eram, acredita-se, migrantes, que
morreram de sede depois de uma sucessão de eventos que começou com
uma pane em um dos caminhões em que viajavam.
Shafa,
uma menina de 14 anos que sobreviveu à tragédia após ter enterrado
a mãe e as irmãs, contou o que passou ao programa de rádio Newsday,
do Serviço Mundial da BBC:
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"Estávamos
indo para a Argélia visitar parentes. Éramos mais de 100 em um
comboio de dois veículos. Nosso caminhão quebrou e foi preciso um
dia inteiro para consertá-lo. Depois disso, a água acabou.
Conseguimos
encontrar um poço, mas a água era pouca. Os motoristas pediram que
a gente aguardasse no local, enquanto eles fossem atrás de mais
água.
Mas
uma noite e um dia depois eles não tinham retornado, e foi quando as
pessoas começaram a morrer de sede. No segundo dia sem água, 15
pessoas do grupo morreram.
Continuamos
a viagem levando os corpos conosco e foi quando o segundo caminhão
voltou trazendo água, graças a Deus.
Cruzamos
com forças de segurança da Argélia, mas os soldados deram meia
volta porque não poderiam ser vistos nos ajudando. Seria ilegal.
Eles
disseram que teríamos de nos esconder dentro de uma trincheira, onde
passamos mais uma noite sem água.
Muitas
mulheres e crianças morreram. Os motoristas tinham um pouco de água,
mas não dividiram conosco.
De
lá fomos levados de volta para o Níger e, ao entrarmos no país, os
motoristas retiraram os corpos do caminhão e os enterraram. As mães
primeiro e as crianças por cima.
"Eles pediram dinheiro para comprar maisEles disseram que seríamos levados de volta para nossa cidade, mas no meio do caminho a gasolina acabou. Eles pediram dinheiro para comprar mais combustível e disseram que teríamos de descer dos caminhões. Nunca mais voltaram.
Esperamos
dois dias no deserto, sem comida, sem água, até que decidimos
começar a andar.
Alguns
veículos passaram, tentamos pará-los sem sucesso. Um dos carros até
atropelou e matou três que estavam no nosso grupo.
Àquela
altura éramos oito, incluindo minha mãe e minhas irmãs mais novas.
Quando ficamos muito cansadas, nos sentamos embaixo de uma árvore e
foi quando uma de minhas irmãs morreu. E foi lá onde a enterramos.
Continuamos
andando e no dia seguinte minha outra irmã morreu. No terceiro dia,
minha irmã morreu. Eu mesma as enterrei.
Nenhum
dos carros que passavam queria parar para me socorrer.
Depois
de um tempo eu encontrei uma árvore, sentei-me à sombra e quando
estava quase desistindo um carro passou.
Eu
tirei a blusa e comecei a acenar vigorosamente. O motorista parou e
perguntou o que tinha acontecido. Eles me deram leite, água e um
biscoito de arroz.
E
foi assim que consegui chegar a Arlit, onde me reuni com meu avô.
E
aqui estou. Meu pai faleceu há um tempo, e agora perdi minha mãe e
minhas irmãs.
Estou
morando com minha tia. Pelo que soube, apenas eu, uma menina e 18
homens sobreviveram. Éramos mais de 100".
Anualmente
milhares de pessoas – muitas delas fugindo de conflitos na África
e no Oriente Médio – arriscam suas vidas cruzando o Deserto do
Saara e o Mar Mediterrâneo em veículos e barcos precários para
chegar à Europa.
Organizações
não-governamentais estimam que aproximadamente 20 mil pessoas podem
ter morrido tentando chegar à Europa nas últimas duas décadas.
Para
ter um diagnóstico mais preciso do problema, a Frontex (agência
europeia de fronteiras) e o Centro Internacional para Desenvolvimento
de Políticas Migratórias produziram uma série de mapas que
identificam as maiores rotas centros de concentração usados pelos
migrantes na região.
O
caso mais recente de tragédia envolvendo imigrantes veio a público
nesta segunda-feira. Cerca de 35 imigrantes teriam morrido de sede ao
tentar cruzar o Deserto do Saara, do Niger em direção ao norte da
África.
Segundo
autoridades do país, eles tentavam chegar a um porto no Mediterrâneo
para tentar a travessia por mar em direção à Europa.
As
vítimas estavam em um comboio que tentou cruzar o deserto com 60
pessoas há duas semanas. Um dos dois caminhões usados no transporte
quebrou. Os sobreviventes só conseguiram sair do deserto nesta
segunda-feira.
Assunto antigo
Itália
substitui Espanha como principal destino de imigrantes vindos da
África
A
maior parte dos migrantes que cruzam o Mediterrâneo a partir da
Líbia e da Tunísia são originários da Eritrea e da Somália.
Contudo, a guerra civil na Síria está elevando o número de sírios
que também usam essa rota.
Em
11 de outubro, mais de 30 pessoas morreram quando uma embarcação
com 250 imigrantes afundou na costa de Malta.
Na
ocasião, o premiê de Malta alertou que o Mediterrâneo corria o
risco de se tornar um "cemitério de imigrantes desesperados".
A ONU diz que cerca de 32 mil pessoas chegaram em Malta e na Itália
só neste ano.
Há
duas semanas, mais de 200 imigrantes também chegaram na Sicília
após serem resgatados pela guarda costeira italiana e um navio
mercante perto da Ilha italiana de Lampedusa.
No
entanto, Adrian Edwards, da Acnur, a agência da ONU para refugiados,
lembra que o “fenômeno das pessoas que viajam em pequenos barcos
no Mediterrâneo para a Europa é antigo e envolve questões como
asilo e migração".
"As
vítimas do último barco que naufragou perto de Lampedusa era
composto por uma maioria de eritreus, muitos dos quais precisam de
proteção internacional", disse ele.
Líbia
A
Líbia se tornou um ponto de partida importante para muitas viagens.
Traficantes de pessoas exploram o crescente vácuo de autoridade no
país para operar.
A
relativamente pequena distância entre a Líbia e a ilha italiana de
Lampedusa encoraja mais pessoas a se arriscarem na jornada.
O
número de usuários das várias rotas ao longo do Mediterrâneo tem
fluxo e refluxo.
De
2008 a 2012, um grande número de migrantes cruzou o mar entre a
Turquia e a Grécia pela chamada Rota do Mediterrâneo do Leste,
segundo a Frontex. Para fazer frente a isso, a Grécia reforçou seus
controles de fronteira com mais 1,8 mil policiais.
Mas
a Frontex diz que a área continua problemática e aponta para
"incertezas relacionadas à insustentabilidade dos esforços
(gregos) e evidências de que os imigrantes aguardam na Turquia pelo
fim da operação".
Na
última década, a rota que passa pelo centro do Mediterrâneo tem
experimentado picos periódicos no tráfego de imigrantes.
Dados
da Acnur sugerem que cerca de 25 mil pessoas chegaram na Itália a
partir do norte da África em 2005. Esse número diminuiu para cerca
de 9,5 mil em 2009.
Porém
em 2011 esse número voltou a crescer atingindo a marca de 61
imigrantes. A alta foi motivada pelo conflito da Líbia, que culminou
com a queda do coronel Muammar Khadafi.
No
começo da década, a rota mais popular entre imigrantes ilegais era
entre o oeste africano e a Espanha. Ela incluía territórios
espanhóis no norte da África como Ceuta e Melilla e as Ilhas
Canárias.
Aproximadamente
32 mil imigrantes teriam usado esse caminho em 2006, porém o número
caiu para cerca de 5,4mil em 2011.