terça-feira, 24 de junho de 2014

À SOMBRA DOS EVENTOS IMORTAIS





Victor Andrade de Melo
In: Revista Brasileira de História
O Rio de Janeiro já assistira a grandes competições esportivas, mas as regatas programadas para aquele dia 9 de agosto de 1903 tinham algumas diferenças e foram acompanhadas como nunca pela cidade.
Se antes eram os clubes que procuravam o poder público para obter apoio para manter suas atividades, dessa vez foi o prefeito do Distrito Federal, o plenipotenciário Pereira Passos, que avisou à Federação Brasileira de Sociedades de Remo: seria concedido um troféu à guarnição vencedora de uma prova denominada “Grande Prêmio Municipal”. Assumiu ainda o compromisso de construir as arquibancadas para acolher uma parte do público. Estimulado pela iniciativa do alcaide, o presidente da República, Rodrigues Alves, resolveu oferecer um troféu de bronze, destinado a premiar os vitoriosos do páreo intitulado “6º Campeonato do Rio de Janeiro”.
No dia do grande evento, a enseada de Botafogo se engalanou de gente. Os mais ricos se distribuíram pelas barcas de particulares ou de agremiações náuticas e pelas arquibancadas, construídas no mesmo lugar onde futuramente seria instalado o belo Pavilhão de Regatas (também patrocinado por Pereira Passos, com dinheiro público federal). Assistiram às provas em meio a danças, números musicais executados por orquestras, e animadas conversas sobre a vida chique da cidade, apreciando refrescos, salgados e doces preparados pelas melhores confeitarias da ocasião – serviço que já era prestado desde meados do século XIX, a princípio para os bailes promovidos pelas sociedades dançantes. Já o povão, não menos animado, se espalhou pela orla em algazarra.
A festa celebrava muito mais do que uma competição esportiva. Boa parte da cidade passava por reformas destinadas a apresentar a capital como a melhor imagem do progresso e da civilização que se esperava para o país. As regatas celebravam tais mudanças. Nesse grande evento do remo fluminense estiveram presentes importantes personagens da política nacional: além de Rodrigues Alves e Pereira Passos, todos os ministros e muitos senadores e deputados, bem como dirigentes dos mais distintos setores do Poder Executivo.
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Não era a primeira vez que a cidade testemunhava um acontecimento esportivo de grande repercussão pública. Desde os anos 1850, os cariocas vinham progressivamente se envolvendo com esportes, como o turfe (corridas de cavalos) e o remo. Em menos de 50 anos, a prática passou de novidade cultuada por poucos a uma das preferências da população da capital.
As regatas de agosto de 1903 marcaram definitivamente a aproximação que o prefeito do Distrito Federal vinha entabulando com as sociedades náuticas. Pereira Passos percebeu que o esporte, ainda mais quando relacionado às noções de saúde e higiene – conforme vinha sendo defendido pelos líderes do remo – poderia ser uma boa ferramenta para celebrar a construção de um novo imaginário para a cidade que desejava “regenerar”. As conexões entre a política e a prática esportiva estavam estabelecidas como nunca antes no Brasil, uma relação que seguiria se fortalecendo no decorrer do século XX, manifestada claramente nos eventos esportivos.
Em 1922, competições esportivas fizeram parte de uma série de iniciativas promovidas pelo governo para comemorar os cem anos da Independência. Um clima tenso cercou as celebrações – a vitória de Arthur Bernardes para a Presidência sofreu uma forte oposição, que manifestou-se claramente no levante do Forte de Copacabana, o que levou ao então presidente Epitácio Pessoa a decretar estado de sítio.
Ainda assim, as ações governamentais ao redor das celebrações de 1922 pretendiam forjar para o Brasil a imagem de uma nação moderna, marcada pelas ideias de união e paz. Entre os eventos esportivos promovidos, destacam-se o VI Campeonato Sul-Americano de Futebol os Jogos Olímpicos Sul-Americanos do Rio de Janeiro, a primeira competição regional dessa natureza, reconhecida pelo Comitê Olímpico Internacional.
Obras no estádio Mané Garrincha / Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil
Obras no estádio Mané Garrincha / Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil
A organização foi marcada por muitos percalços, entre os quais críticas ao atraso e ao excesso de gastos públicos na realização das obras necessárias para as competições. Esse quadro preocupou o representante do Comitê Olímpico Internacional, e chegou-se a aventar o cancelamento do evento ou sua transferência para outra cidade. Depois de muito debate e desencontros entre o governo e os responsáveis pela promoção das competições, tudo foi realizado com grande sucesso de público, ainda que os improvisos tenham prejudicado algumas modalidades. O campeonato de futebol, que também integrou as celebrações de 1922, quase ocasionou um incidente diplomático com alguns países da América do Sul, especialmente com Uruguai e Argentina, em função de sérios problemas com a arbitragem.


Improvisos, atrasos e excesso de gastos públicos também se fizeram notar durante a organização da Copa do Mundo de Futebol de 1950, notadamente na construção do Maracanã. Naquele momento, o futebol já se firmara como uma das preferências dos brasileiros, elevado a símbolo nacional em alguns discursos. Era entendiam como a expressão da excelência de nosso processo de mestiçagem, uma demonstração do valor e da originalidade de nosso povo.
Não surpreende que tenha ocorrido tanta mobilização política ao redor do evento. O próprio Maracanã, que assumia o statusde maior estádio do mundo, era considerado uma prova da grandiosidade e da capacidade de realização do Brasil. A consagração definitiva deveria vir com a vitória na final do campeonato mundial frustrada pela seleção uruguaia. Mesmo assim, com todos os tropeços, o país conseguiu organizar um evento de alcance mundial.
No decorrer da segunda metade do século XX, as equipes nacionais de diversas modalidades aumentaram seu protagonismo no cenário mundial, mais ainda a seleção brasileira de futebol. Em todas as disputas memoráveis houve algum grau de relação com o cenário político ou com certas questões sociais em voga no momento da conquista. Isto também aconteceu nos eventos internacionais que o Brasil promoveu. E foram muitos, de esportes distintos. Apenas no ano de 1963, por exemplo, São Paulo recebeu os IV Jogos Pan-Americanos e Porto Alegre sediou os Jogos Mundiais Universitários (asUniversíades). Nessas ocasiões era comum a presença de dirigentes a exaltar a grandiosidade da nação.
Alguns eventos tinham relação ainda mais explícita com a política, como a Taça Internacional Independência de Futebol, concebida pelo governo ditatorial para celebrar o sesquicentenário da Independência (1972). O intuito era aproveitar a data para forjar um clima interno mais favorável e melhorar a imagem internacional do Brasil, abalada pela manutenção do regime autoritário e pelas acusações de que existiam tortura e assassinato de opositores no país.
Chegamos ao século XXI e o Brasil se insere definitivamente no circuito dos agora chamados megaeventos esportivos em função de sua grandeza, inclusive no que diz respeito aos gastos necessários para a sua organização. Depois de promover algumas importantes competições, como os Jogos Pan-Americanos de 2007 e os Jogos Mundiais Militares de 2011, estamos às vésperas da realização de mais uma Copa do Mundo de Futebol e a dois anos de sediar os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro – pela primeira vez num país da América do Sul.
Como nas outras ocasiões, a articulação entre esporte e política mais uma vez fica evidente. A candidatura para os eventos foi amplamente referendada e apoiada por administrações governamentais municipais, estaduais e federal. Argumentava-se que, para além dos supostos ganhos que o país teria (materiais e simbólicos), a promoção dessas competições consagraria o novo protagonismo do Brasil no cenário internacional.
As coisas, contudo, não parecem correr muito bem, e o que se vê são atrasos nas obras, excessos de gastos públicos, remoções, improvisos e a falta de um claro legado social. Até o momento, a Copa e os Jogos Olímpicos não parecem lograr boa repercussão internacional, nem tampouco empolgar ou orgulhar os brasileiros como esperavam os governantes. Parte da população tem inclusive demonstrado publicamente sua insatisfação. Parece que aprendemos pouco com as lições da história.
Victor Andrade de Meloé professor da UFRJ, coordenador do Laboratório de História do Esporte e do Lazer (Sport/UFRJ) e organizador,em conjunto com Fabio Peres e Mauricio Drumond, de Esporte, cultura, nação, estado: Brasil e Portugal(7Letras, 2014).

quinta-feira, 19 de junho de 2014

ESPANHA JÁ TEM UM NOVO REI



Empossado ontem, 18 de junho de 2014, o rei Filipe VI, décimo nono rei da Espanha, sexto rei da dinastia Bourbon na Espanha, segundo rei após a restauração da monarquia, em 1975.

Dos reis com nome Filipe, na Espanha, três deles (Filipe II , Filipe III e Filipe VI, foram também reis de Portugal, durante o período conhecido como União Ibérica, entre 1580 e 1640.)

Filipe VI assume o trono em um momento delicado para a monarquia espanhola, desgastada por escândalos de corrupção envolvendo uma das filhas do rei Juan Carlos, irmã do novo monarca, pela divulgação de fotos do rei Juan Carlos caçando elefantes em Botsuana – o que provocou um pedido público de desculpas por parte do rei.

Em função desses desgastes, o movimento republicano ganhou novo folego nos últimos anos. Militantes pró-república reivindicam realização de um plebiscito sobre forma de governo.

Filipe VI, tem sido chamado, como alcunha, tradição na Espanha, de “O Preparado”, devido a sua formação pessoal, conforme a imagem salienta