segunda-feira, 27 de maio de 2013

BOLSA FAMÍLIA É IRRELEVANTE PARA COMBATER A DESIGUALDADE SOCIAL


Pesquisa mostra que Bolsa-Família é irrelevante para reduzir desigualdadeEstudo feito por pesquisadores do Insituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que o Bolsa-Família contribui em apenas 1% para reduzir a concentração de riqueza no país - uma das mais elevadas do mundo

Renata Mariz - Correio Braziliense
Publicação: 26/05/2013 21:49 Atualização:

A confusão que se instalou em pelo menos 13 estados na última semana, devido aos boatos de que o Bolsa-Família seria extinto, colocou o programa em evidência. Até para os críticos ficou explícita a importância conferida pela população à política governamental de transferência de renda, que hoje atende 13 milhões de famílias pobres. Se para combater a miséria os repasses mensais que variam de R$ 32 a R$ 306 têm efeitos imediatos inequívocos, o mesmo não se pode dizer sobre uma mazela secular no Brasil: a desigualdade de renda e, portanto, de oportunidades. Estudo feito por pesquisadores do Insituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que o Bolsa-Família contribui em apenas 1% para reduzir a concentração de riqueza no país — uma das mais elevadas do mundo.

Um mecanismo estatístico criado pelos autores do estudo — Marcelo Medeiros e Pedro Souza — identifica os fatores que ajudam a concentrar e a distribuir renda no país e o peso de cada um na formação do quadro atual de desigualdades. Dos oito elementos analisados, a assistência social, formada pelo Bolsa-Família e pelo Benefício de Prestação Continuada (cujo público são idosos e pessoas carentes com deficiência), é praticamente irrelevante para desconcentrar a riqueza. Nesse quesito, o impacto maior decorre do Imposto de Renda, que incide sobre os mais endinheirados, contribuindo em 10% para diminuir a desigualdade. Do outro lado, a renda do trabalho no setor privado eleva a disparidade.
É como num cabo de guerra, em que algumas forças puxam para um lado, outras para o outro. Ou seja, umas anulam as outras. Foi possível verificar que o Bolsa-Família é bom para combater a pobreza, mas não tem efeito relevante na redução da desigualdade, que é o grande desafio do país”, atesta Marcelo Medeiros. Entre as razões para a influência tão modesta da política mais popular do governo, explica Pedro Souza, está o valor dos benefícios. “O Bolsa-Família é visível porque atinge muita gente, mas ele é pequeno no volume total transferido, poderia ser maior”, defende o pesquisador. Em 2012, a quantia gasta pelo programa, R$ 20 bilhões, não chegou a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Este ano, são R$ 22 bilhões disponíveis, que representam 1,5% do Orçamento do governo, de R$ 1,6 trilhões.

Ranking Embora o Brasil tenha registrado queda contínua da desigualdade nos últimos 12 anos, a concentração de muito nas mãos de poucos persiste. Para se ter uma ideia, 41,5% de toda a renda estão com os 10% mais ricos, enquanto os 50% mais pobres dividem 16,4% do bolo. O primeiro grupo ganha 12,7 vezes mais que o segundo, se considerada a renda domiciliar per capita média. Distância só superada por países como Honduras, Colômbia e Bolívia. Nações próximas, como México, Peru e Argentina, têm desigualdade menor que a brasileira.
Governo federal discorda

Presidente do Ipea e ministro-chefe interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Marcelo Neri defende a efetividade do Bolsa-Família na redução das disparidades. “É um programa que cumpre os dois papéis. Reduz a pobreza e também diminui a desigualdade”, destaca Neri. Desde 1990, o coeficiente de Gini, parâmetro internacional usado para medir a desigualdade de distribuição de renda em um país, tem apresentado queda. Numa escala de 0 a 1 (quanto mais próximo de 1, maior é a concentração de renda), o índice brasileiro caiu de 0,607 para 0,527 (dado de 2011). Na avaliação de Neri, isso se deve aos programas sociais iniciados em meados da década de 1990 e fortalecidos mais recentemente.

O Ministério do Desenvolvimento Social, em nota, destacou que o trabalho dos pesquisadores Marcelo Medeiros e Pedro Souza tem “a relevância de promover o debate sobre que tipo de sociedade o país está construindo”, mas discordou da conclusão do estudo. “São inegáveis os benefícios diretos e indiretos que o Bolsa-Família tem provocado em todo o Brasil, auxiliando efetivamente para diminuir as desigualdades históricas do país”, informa o comunicado. A pasta elencou uma série de dados sobre o programa, como redução de mortalidade de 19,4% entre crianças nos municípios com alta cobertura do Bolsa- Família. (RM)

ALIANÇA DO PACÍFICO: UMA AMEAÇA AO MERCOSUL?

INTRODUÇÃO:
Enquanto o Brasil, cada vez mais próximo do bolivarianismo retrógrado e falido, insiste em usar as organizações internacionais como braços de sua visão ideológica e seu projeto de poder, outros países buscam soluções mais dinâmicas, modernas, integradas efetivamente e preocupadas com o desenvolvimento econômico de suas nações e não com a afirmação de um projeto político-partidário. O resultado disso, é que a novíssima Alainça do Pacífico, criada em 2012, já dá passos muitos mais amplos que o Mercosul, amarrado por seu nacionalismo antiquado, pelo centralismo e autoritarismo característicos da esquerda latino-americana e pelo protecionismo entre seus próprios membros. Leia mais: 



27/05/2013 - 02h00

Viés pró-mercado da Aliança do Pacífico desafia o Mercosul

ISABEL FLECK
DE SÃO PAULO


Com um PIB de 35% do total latino-americano e crescimento que supera os vizinhos do Mercosul, a jovem Aliança do Pacífico --que completa um ano em junho-- dividiu a região e já desperta o interesse como "a alternativa pró-mercado" do continente.

Diante de um Mercosul com imagem fragilizada por decisões políticas recentes, como a suspensão do Paraguai, e pela lentidão em fechar um acordo de livre comércio com a União Europeia, o grupo formado por Colômbia, Chile, Peru e México tomou para si o papel de "novo motor econômico e de desenvolvimento da América Latina" --na definição do presidente colombiano, Juan Manuel Santos.
De fora, o Brasil acompanha o crescimento do bloco vizinho tentando não mostrar preocupação. Segundo o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, a Aliança "não tira o sono" do Brasil. Para o Itamaraty, não existe "inveja" ou medo de "perder espaço".


No entanto, o contraponto mais liberal ao Mercosul está criado e ganha atenção --o que se deve, em parte, pelo papel "pouco ativo" do Brasil e do bloco do sul, na opinião do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
"O Brasil não conseguiu exercer uma liderança capaz de impedir a fragmentação da América do Sul", disse FHC à Folha. "Os países do Mercosul, como se sabe, não se esforçaram muito por acordos comerciais e tampouco avançaram na direção de formar um verdadeiro bloco integrado."
Em 2011, os quatro países da Aliança do Pacífico já exportaram 10% a mais em bens e serviços que os cinco membros do Mercosul (incluindo os dados da Venezuela, que então não fazia ainda parte do bloco).
O crescimento registrado em 2012 entre os integrantes do grupo do Pacífico foi de 4,9%, em média --índice bem acima dos 2,2% do Mercosul.
E enquanto as negociações de um acordo de acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia se desenrolam lentamente após mais de uma década de discussões, a Aliança já atraiu França, Espanha e Portugal como membros observadores.
Para o Brasil, em especial, o bloco do Pacífico ameaça o que era até então uma importante vantagem comparativa do país: o tamanho do mercado. Juntos, os países da Aliança têm população de 209 milhões e PIB de US$ 2 trilhões --importância próxima aos 198 milhões de habitantes e US$ 2,4 trilhões de PIB do Brasil.
"Para atrair investimentos, a Aliança é muito mais interessante que o Brasil, porque é do tamanho do país, mas cresce mais rápido e tem condições melhores em termos de qualidade de políticas, com inflação baixa e economias menos fechadas", avalia Armando Castelar Pinheiro, coordenador de Economia Aplicada do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da Fundação Getulio Vargas.
O governo brasileiro nega ameaça, já que o "dinamismo" do comércio dos países da Aliança com os europeus é diferente do do Mercosul.
"O tamanho das economias e o fluxo de bens que exportamos para a Europa é outro. Pode haver uma ou outra sobreposição de interesses, mas tanto em escala como em produto não há por que temer perder espaço", diz Tovar Nunes, porta-voz do Itamaraty.
COMPETITIVIDADE
O Brasil sabe, contudo, que o novo bloco na região exigirá maior competitividade para disputar o mercado tanto com os países que formam o bloco como dentro deles.
Na cúpula da Aliança em Cali, na última semana, o grupo definiu a exclusão total de tarifas para 90% dos produtos comercializados dentro do bloco --ao menos para 50%, as regras começam a valer em 30 de junho. Fora do bloco, os quatro membros mantêm, somados, acordos de livre comércio com mais de 50 países.
O Itamaraty destaca ter acordos de complementação econômica com Chile, Colômbia, Peru e México, o que garantiria benefícios tarifários nas trocas comerciais. Só no primeiro trimestre de 2012, porém, as exportações brasileiras para os quatro países caíram, em média, 10%.


MAIS NOTÍCIAS SOBRE A ALIANÇA DO PACÍFICO:

Aliança do Pacífico terá mais sete países observadores e visto comum para turistas

23/05/2013 - 22h53

Leandra FelipeCorrespondente da Agência Brasil/EBC
Bogotá - Ao encerrar na noite de hoje (23) a 7ª Cúpula da Aliança do Pacífico, em Cáli, na Colômbia - bloco econômico, criado em 2011, formado pelo Chile, pela Colômbia, pelo México e Peru - os presidentes dos quatro países assinaram o "acordo marco" em que são definidas todas as regras e objetivos do bloco.
Eles também aprovaram a entrada de mais sete países como observadores: Equador, El Salvador, França, Portugal, Paraguai e República Dominicana e ainda a criação de um visto turístico para promover o turismo regional.
"Se estabeleceu o visto para que os cidadãos de outras nacionalidades possam visitar, sem restrições, os território dos países que fazem parte deste bloco", disse à imprensa o presidente anfitrião, Juan Manuel Santos, ao lado dos colegas do México, Enrique Peña Nieto; do Chile, Sebastián Piñera e do Peru, Ollanta Humala.
Foi firmado ainda um acordo de transparência fiscal entre os países para combater a sonegação de impostos. A medida será importante porque, cerca de 90% dos produtos produzidos pelos quatro países-membros poderão ser comercializados sem nenhuma tarifa. Os acordos deverão entrar em vigência a partir de 30 de junho.
Os presidentes também assinaram um documento com regras que definindo os que países da região devem cumprir para fazer parte do bloco. O primeiro pedido em estudo é o da Costa Rica, que já firmou um tratado de livre comércio com a Colômbia.


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Aliança do Pacífico cria fundo de investimento entre países do bloco
Cada país contribuirá U$ 250 mil dólares para o fundo, totalizando U$ 1 milhão de aporte inicial

Publicação: 23/05/2013 20:42 

Bogotá - A 7ª Cúpula da Aliança do Pacífico anunciou hoje (23) a criação de um fundo de investimento comum entre os países que compõem o bloco comercial (Chile, Colômbia, México e Peru). Cada país contribuirá U$ 250 mil dólares para o fundo, totalizando U$ 1 milhão de aporte inicial.

"A ideia é impulsionar as iniciativas que estão ocorrendo em cada um dos países-membros da aliança, especialmente as micro, pequenas e média empresas", explicou o ministro de Relações Exteriores do Chile, Alfredo Moreno.

Com a criação do fundo de cooperação o bloco pretende garantir a implementação de acordos nas áreas de meio ambiente, mudanças climáticas, inovação, ciência e tecnologia, micro, pequenas e médias empresas, desenvolvimento social e mobilidade acadêmica.

Durante a reunião de presidentes ocorrida hoje, em Cáli, na Colômbia, o grupo mencionou os avanços conseguidos com tratados comerciais, na abertura da embaixada comum em Gana, de escritórios comerciais em Istambul, na Turquia, e nos próximos meses em Casablanca, no Marrocos.

Além da criação do fundo, a Costa Rica, que aspira participar do bloco, assinou um tratado de livre comércio (TLC) com a Colômbia, cumprindo um requisito para fazer parte da aliança. O Panamá também deseja fazer parte do grupo.

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domingo, 19 de maio de 2013

INFLAÇÃO LEVA MAIS DE 22 MILHÕES DE BRASILEIROS DE VOLTA À MISÉRIA


Indicador defasado 'esconde' 22 milhões de miseráveis do país


Governo define a linha da miséria em R$ 70 per capita desde junho de 2011, sem corrigir o valor pela inflação
Desde a data que essa linha foi estabelecida, os preços subiram em média 10,8%, segundo cálculo pelo IPCA
JOÃO CARLOS MAGALHÃESDE BRASÍLIA
O número de miseráveis reconhecidos em cadastro pelo governo subiria de zero para ao menos 22,3 milhões caso a renda usada oficialmente para definir a indigência fosse corrigida pela inflação.
É o que revelam dados produzidos pelo Ministério do Desenvolvimento Social, a pedido da Folha, com base no Cadastro Único, que reúne informações de mais de 71 milhões de beneficiários de programas sociais.
Desde ao menos junho de 2011 o governo usa o valor de R$ 70 como "linha de miséria" -ganho mensal per capita abaixo do qual a pessoa é considerada extremamente pobre.
Ele foi estabelecido, com base em recomendação do Banco Mundial, como principal parâmetro da iniciativa de Dilma para cumprir sua maior promessa de campanha: erradicar a miséria no país até o ano que vem, quando tentará a reeleição.
Mesmo criticada à época por ser baixa, a linha nunca foi reajustada, apesar do aumento da inflação. Desde o estabelecimento por Dilma da linha até março deste ano, os preços subiram em média 10,8% -2,5% só em 2013, de acordo com o índice de inflação oficial, o IPCA.
Corrigidos, os R$ 70 de junho de 2011 equivalem a R$ 77,56 hoje. No Cadastro Único, 22,3 milhões de pessoas, mesmo somando seus ganhos pessoais e as transferências do Estado (como o Bolsa Família), têm menos do que esse valor à disposição a cada mês, calculou o governo após pedido da Folha por meio da Lei de Acesso à Informação.
Esse número corresponde a mais de 10% da população brasileira e é praticamente a mesma quantidade de pessoas que tinham menos de R$ 70 mensais antes de Dilma se tornar presidente e que ela, com seis mudanças no Bolsa Família, fez com que ganhassem acima desse valor.
Os dados possibilitam outras duas conclusões. Primeiro, que um reajuste da linha anularia todo o esforço feito pelo governo até aqui para cumprir sua promessa, do ponto de vista monetário.
Segundo, que os "resgatados" da miséria que ganhavam no limiar de R$ 70 obtiveram, na quase totalidade, no máximo R$ 7,5 a mais por mês -e mesmo assim foram considerados fora da extrema pobreza.
Além do problema do reajuste, o próprio governo estima haver cerca de 700 mil famílias vivendo abaixo da linha da miséria e que estão hoje fora dos cadastros oficiais.
OUTRO CENÁRIO
A reportagem pediu outra simulação ao governo, usando agosto de 2009 como o início do estabelecimento da linha de R$ 70. Nessa época, um decreto determinara o valor para definir miséria no Bolsa Família.
Nesse outro cenário (inflação acumulada de 23,4%), o número de extremamente pobres seria ainda maior: 27,3 milhões de pessoas. A data marcou a adoção do valor no Bolsa Família, mas não em outros programas, diz o governo.

Folha de São Paulo – 19/05

domingo, 12 de maio de 2013

A DITADURA DA MAIORIA - FERREIRA GULLAR


11/05/2013  -Folha de São Paulo

Ditadura da maioria

FOLHA DE SÃO PAULO


Não faz muito tempo, ouvi um deputado afirmar que o que define um governo democrático é a eleição.
Se foi eleito, é democrático.
Todos sabemos que não é bem assim, pois, conforme a força que tenha sobre as instituições, pode um governo impor sua vontade e anular o direito dos adversários. A eleição é, sem dúvida, uma condição necessária para que se constitua um governo democrático, mas não é suficiente.
Se abordo esta questão aqui é porque vejo naquela simplificação uma ameaça à democracia, fenômeno crescente em vários países da América Latina e até mesmo no Brasil. Na verdade, essa é uma das manifestações antidemocráticas do neopopulismo, hoje hegemônico em alguns países latino-americanos.
Já defini esse novo populismo como o caminho que tomou certa esquerda radical, ao constatar a inviabilidade de seus propósitos ditos revolucionários. Não se trata mais de opor a classe operária à burguesia, mas de opor os pobres aos ricos.
O populismo age correta e legitimamente quando busca melhorar as condições de vida dos setores mais carentes da sociedade, o que lhe permite conquistar uma ampla base eleitoral. Mas se torna uma ameaça à democracia quando usa esse poder político para calar a voz dos opositores e, desse modo, eternizar-se no poder.
Exemplo disso foi o governo de Hugo Chávez na Venezuela. O domínio dos diferentes poderes do Estado permitiu ao chavismo manter-se no governo mesmo após a morte de seu líder, violando abertamente todas as normas constitucionais. Essa tese de que basta ter sido eleito para ser um governo democrático é conveniente ao populismo porque, contando com o apoio da maioria da população, usa-o como um aval para fazer o que quiser.
Está implícita nessa atitude uma espécie de sofisma, segundo o qual, se o povo é dono do poder, quem contraria sua vontade é que atenta contra a democracia. E quem sabe o que o povo quer é o caudilho.
Sucede que o governante eleito, como todos os demais cidadãos, está sujeito às leis, que estabelecem limites à ação de qualquer um, inclusive dos governantes. Não por acaso, todos eles, ao tomarem posse depois de eleitos, juram obedecer e seguir as normas constitucionais.
No Brasil agora mesmo, o populismo petista demonstra inconformismo com essas normas que o impedem de fazer o que queira. A condenação dos corruptos do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal levou-os a tentar desqualificar aquela corte de Justiça, acusando-a de ter realizado um julgamento político e não jurídico.
Como tais alegações não têm fundamento nem dificilmente mudariam a decisão tomada, resolveram alterar a Constituição para de algum modo anular a autonomia do STF.
Por iniciativa de um deputado petista, foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara uma emenda constitucional que resultaria em submeter decisões do Supremo Tribunal à aprovação do Congresso, numa flagrante violação da autonomia dos poderes da República, base do regime democrático.
Essa iniciativa provocou revolta nos mais diversos setores da opinião pública e até mesmo a Presidência da República, por meio do vice-presidente Michel Temer, procurou desautorizá-la. Não obstante, os presidentes da Câmara e do Senado manifestaram seu descontentamento a supostas intervenções do STF nas decisões do Congresso.
Com o mesmo propósito, tenta-se excluir do Ministério Público a atribuição de investigar e processar os responsáveis por crimes na área pública.
É que o populismo não tolera nada que lhe imponha limites e o critique. Por isso mesmo, um de seus inimigos naturais é a imprensa livre, de que a opinião divergente dispõe para se fazer ouvir.
Na Argentina, o populismo de Cristina Kirchner estatizou a única empresa que fornece papel aos jornais do país, o que significa uma ameaça a todo e qualquer jornal que se atreva a criticar-lhe as decisões além do que ela permita.
Quando consuma seus objetivos, o populismo estabelece o que ficou conhecido como a ditadura da maioria. Denominação, aliás, pouco apropriada, já que, nestes casos, o poder é, de fato, exercido por um líder carismático, a quem a maioria do povo segue cegamente.


Autor: Ferreira Gullar – Cronista, Crítico de Arte e Poeta.


PS: Para quem não sabe ou não quer lembrar, Ferreira Gullar é um ativista político histórico neste país. Militou no PCB e foi sempre vigiado e perseguido durante a Ditadura Militar. Gostaria de ver alguém do PT chamar Ferreira Gullar de “direita” ...

sexta-feira, 10 de maio de 2013



Vídeo que resume muito bem os episódios envolvendo as eleições e a situação na Venezuela, resultado do fascismo chavista. No Brasil, alguns chamam isso de "uma democracia completa", enquanto criticam e perseguem o Paraguai por um processo legal e constitucional.

sexta-feira, 3 de maio de 2013




MATAR É FÁCIL: DIFÍCIL É NÃO MORRER.


Nos últimos meses, ando e andam falando e pensando muito sobre questões relativas a mortes por arma de fogo. Isso se deve ao aumento da violência praticada com armas de fogo no Brasil e também por episódios nos EUA, como os atiradores em escolas que levaram o presidente Obama a iniciar uma campanha por um maior controle sobre a venda de armas no país. E, mais recentemente, pela morte acidental de uma garota pela arma de um garoto.
Vejo, aqui neste meu Brasil, muita gente “escandalizada” com a relação que os norte-americanos tem com as armas de fogo, por exemplo. Essa é uma discussão antiga, na verdade, que remete às características históricas da Constituição dos EUA e de sua própria cultura.
Nos EUA, a Constituição entende que é direito do cidadão proteger-se e defender seu patrimônio e sua vida, entrando aí a liberdade para a compra e porte de armas de fogo de qualquer espécie, sejam automáticas, semi-automáticas ou manuais e de qualquer calibre que o cidadão deseje ou prefira. Como o federalismo nos EUA é bastante diferente do federalismo no Brasil, tradicional e historicamente “contaminado” pelo autoritarismo e pelo centralismo excessivos, cada estado pode determinar o grau dessa liberdade de compra e porte de armas. Como resultado disso, em alguns estados, há uma enorme liberdade para isso, bastando ir à loja e comprar, como se compra qualquer outro produto – e há lojas imensas, verdadeiros “supermercados” de armas e munições onde o cidadão passei, escolhe... e enche seu carrinho. Já em outros estados, há um controle bem maior, exigindo alguns documentos, registros mais precisos e venda controlada de munição.
Tradicionalmente, os estados do sul e do Oeste, são os estados onde há maior liberdade, e, por via de consequência, os estados do leste e do norte são os estados onde há maior controle – destacando o estado de Nova Iorque, que é o estado que mais controla a venda de armas e munições e o porte de armas.



(Loja de Armas nos EUA)

Pois bem, isto posto, prossigo dizendo que comecei a pesquisar sobre o assunto, mais profundamente. Principalmente por conta de comentários estapafúrdios e estruturalmente contraditórios que encontrei por aí, especialmente nas redes sociais, claro, que colecionam todo tipo de besteira que antigamente circulação à boca pequena, mas que hoje as pessoas disparam a esmo por aí, evidenciando as mais curiosas teorias que vão desde o primarismo calcado sobre desinformação, até as conspirações mais cabeludas, calcadas, provavelmente, em sérios problemas de deformação pessoal ou doença mental mesmo.
Por outro lado, fiz uma espécie de mergulho nas minhas mais tenras memórias e experiências envolvendo as armas de fogo. Neste processo, descobri um Brasil um tanto “pessoal”, e talvez até jurássico, o que não é de se espantar, já que não sou mais um garoto há pelo menos algumas décadas – isto tem se mostrado, no Brasil em que vivo hoje, uma virtude inestimável e uma ferramenta da maior utilidade, diante de uma superficialidade absoluta e do espaço conquistado por formas de pensamento e ideologias de uma fragilidade total mas de grande efeito “midiático”. Em resumo, e para não alongar este aspecto da coisa, gostaria de afirmar a minha imensa felicidade em NÃO ser jovem no Brasil de hoje – é realmente um alívio enorme já ter certos valores formados, diante de um país onde os valores e as convicções tem a substância de uma casquinha de sorvete.
Mas, afinal, que Brasil foi esse que descobri em minhas memórias? Descobri um Brasil armado e onde as estatísticas de crimes por arma de fogo eram, curiosamente, percentualmente muito menores.
Pelo menos o meu Brasil, o Brasil do meu cotidiano desde a infãncia até o início da idade adulta – que antigamente ficava lá pelos 18 anos e que hoje pode chegar aos 35, 40 anos. (Conheço “adolescentes” com essa idade... Mas isso é outra história...)
Desde muito garoto, convivi com armas de fogo pra todo lado. Meu pai é natural de uma cidade do interior de Minas, cidade onde mora ou morava boa parte da família – tios, primos, avó, etc, e onde a presença de armas de fogo era constante. E não creio que isto seja específico desta cidade, já que outros amigos de escola e mesmo da rua e do bairro onde eu morava, em Belo Horizonte, partilhavam desse mesmo convívio com armas de fogo
Quando ia com meu pai e família para a fazenda, sempre havia mais de um tipo dessas armas. Nas casas dos moradores, chamados por lá de “colonos”, pessoas simples, a presença das armas de fogo também era absolutamente comum – portanto, não era um privilégio dos donos da fazenda, como alguns, precipitadamente, poderiam pensar. Vários deles “fabricavam” as próprias armas.
Eram armas, na maioria, antigas, que haviam sido adaptadas a algumas “modernidades”, como por exemplo, o uso de cartuchos de munição. Vi muitas e muitas armas cujas coronhas foram mantidas, e até mesmo algumas partes dos mecanismos de disparos. Mas que haviam sido transformadas das antigas “polveiras” - como o pessoal chamava na “roça”, para armas que disparavam cartuchos, dos mais variados calibres, mas, na maioria das vezes, eram as famosas “cartucheiras”, variando entre o calibre 24 - as menores, e o calibre 12 – as maiores. Com um cano ou dois, elas dominavam o ambiente.
Mas havia também as “garruchas”, calibre 22, na maioria das vezes, carregadas pelo cano, como as cartucheiras, com capacidade para 02 disparos em sequência – o mais curioso eram os dois gatilhos, já que havia um “cão” para cada cano da arma, à moda das armas mais antigas. E ainda sobrava espaço para os revólveres e pistolas modernas, até mesmo semi-automáticas, as catucheiras de repetição, e também os rifles de ferrolho e espingardas do tipo “punheteira”, como eram popularmente conhecidas, que nada mais são que armas de repetição recarregadas por algum mecanismo que ejetava e recolocava a munição na culatra acionada pelas mãos do atirador.
Desde pequeno, convivia com gente armada, com armas expostas nas paredes nas casas, com histórias da caçadas e conversas sobre as melhores armas de fogo que fulano ou beltrano tinham ou desejavam
Meu pai me contava histórias das caçadas do meu bisavô Adolfo Cisalpino. Gostava de caçar, tinha armas e também cães perdigueiros treinados para essa atividade. Ouvia também as histórias dos outros tios fazendeiros, como o Tio Geraldo, o Tio Vate... Todos tinham armas em casa, caçavam e/ou andavam por aí armados em algum momento da vida.
Meu pai também viajava com os amigos, frequentemente, para caçar e pescar. Me lembro inclusive de uma história em que ele e os amigos, voltando de uma caçada em Paracatú, foram parados por uma barreira de militares, na entrada de Belo Horizonte (enquanto caçavam, os militares tomavam o poder no Brasil, em 1964). Acontece que, nesse momento tenso de nossa história, ele e os amigos se viam parados diante de militares fortemente armados, dirigindo um carro cujo porta-malas estava repleto de rifles e espingardas – não era, com certeza, a melhor das situações. Foram salvos pela carteirinha de oficial do exército de um dos amigos, que era médico do hospital militar de BH . Graças a essa carteirinha, foram liberados sem que o carro fosse revistado.



(Meu bisavô, Adolfo Cisalpino de Carvalho, e seus cães, caçando. Foto de 1929)

Por volta dos meus nove anos de idade, comecei a ter contado mais direto com as armas de fogo. Meu pai me apresentou uma espingarda 22, “punheteira” , ou seja – de repetição, que ele tinha ganho de presente de um delegado da cidade de Curvelo, se não me engano.
Eu achei aquela arma absolutamente linda, com sua coronha de madeira escura e lustrosa, e aquele mecanismo fantástico no cano que permitia a recarga rápida com apenas dois movimentos. Podia dar até 12 tiros em sequência. Os cartuchos eram colocados em um tubo de metal “escondido” na coronha da arma e conduzidos por molas até a culatra. Você puxava para trás o mecanismo e ele expulsava o cartucho vazio. Com o movimento para a frente, você introduzia um novo cartucho.
Foi com essa arma, aos nove anos de idade, que comecei a aprender a atirar, a manejar armas de fogo e a compreender o que elas eram. Depois aprendi a carregar e disparar com um revólver de tambor, de seis tiros, calibre 22 também, e também com meu pai.
Depois que aprendi a usar a arma, depois que aprendi o que ele – meu pai, julgava necessário para se ter e manusear armas de fogo, ele me deu a arma de presente. Essa foi, portanto a minha primeira arma, da qual tenho grande saudade, pra dizer a verdade: uma espingarda “punheiteira” calibre 22, de fabricação tcheca. Arma de grande precisão e valor, já que recebi ofertas de compra por diversas vezes, de gente que entendia de armas – mas, era MINHA espingarda e jamais iria negociá-la, claro. Eu deveria ter entre 12 e 13 anos de idade, quando ganhei essa arma.
Imgino que um possível leitor desse texto esteja pensando agora que meu pai era absolutamente louco de entregar uma arma a uma “criança” de 12, 13 anos de idade. Talvez sim, se consideramos o contexto de hoje. Talvez não, se consideramos o contexto dos anos 70, quando este fato aconteceu.
O mais importante, na minha opinião, foi o que aprendi com meu pai nessa época sobre armas de fogo. Ele me apresentou essas regras como condições inegociáveis para me entregar a arma. Qualquer uma delas, desrespeitadas uma única vez, implicaria na retomada do presente – portanto, ouvi com total atenção e nunca ousei desrespeitá-las, porque conhecia o meu pai e ele não foi e não é, até hoje, do tipo de pessoa que fala uma coisa e depois diz: “essa é sua última chance. Da próxima você vai ver”. Não. Nunca. Em toda a minha vida. As coisas aconteciam da primeira vez mesmo. Não seguiu a orientação? Não tem outra chance. E eu não iria testá-lo, evidentemente. Perdi todas as vezes que tentei e já tinha aprendido, aos 12 anos, como é que a banda tocava – e devo ressaltar que nunca me senti “oprimido” ou “traumatizado” por causa disso. Sentia, e sinto, muito respeito por quem faz exatamente o que fala. E digo mais: procuro agir assim com todas as pessoas que convivem comigo, incluindo meus alunos.
E o que ele me disse? Quais eram as regras inegociáveis? Segue abaixo:
-Nunca, por motivo nenhum, muito menos por brincadeira, aponte uma arma para uma alguma coisa ou pra alguma pessoa, esteja ela carregada ou não.
  • Se, algum dia, você apontar uma arma para alguém, atire. Mostrar armas, ameaçar alguém com uma arma, é coisa de gente covarde. Nunca mostre ou aponte uma arma a não ser que tenha absoluta certeza que vai usá-la.
  • Armas não são brinquedos. Armas são feitas para matar, mesmo que possam ser usadas como esporte. Disparos de armas de fogo matam, seja qual for a arma. Toda vez que pegar em uma arma, tenha total consciência disso.
  • Se você atirar em alguém, vai assumir todas as responsabilidades disso. Eu direi que você sabia exatamente o que estava fazendo, pode ter certeza disso. Não vou protegê-lo ou dizer que foi acidente.
  • Nunca ande com uma arma, esteja ela carregada ou não, sem acionar a trava de segurança e só destrave quando for atirar.
  • Mantenha a arma descarregada em casa, e guarde a munição em lugar diferente. Escolha um lugar onde outras pessoas não tenham acesso fácil e nunca diga para qualquer pessoa, mesmo da família, e especialmente para crianças, onde você guarda a arma.
  • Nunca empreste a sua arma para ninguém, mesmo que ele diga que sabe usar uma arma: a arma é sua e o que ela faz é sua responsabilidade, sempre, mesmo que outro esteja usando.

Foi, basicamente isso, que ele determinou. Lembro e sigo, todas essas regras, até hoje. E já impus essas mesmas regras a outras pessoas.
Depois que ganhei a arma, levei para a fazenda. Principalmente porque não era uma arma registrada e portanto podia ser apreendida pela polícia. Ela foi para a fazenda escondida sob o banco do carro do meu pai – a conivência entre pai e filho era aceitável, sob certas circusntâncias e regras, como se vê...
Além da minha espingarda, na fazenda havia uma cartucheira de calibre 24, de uso geral – ou seja, todo mundo podia usá-la. E eu a usei muito, desde essa época. Para a minha espingarda e para a cartucheira, conseguia munição em qualquer lugar. Na cidade natal de meu pai, por exemplo, eu comprava munição numa relojoaria, eu mesmo (não, não era um adulto, era eu mesmo). A munição calibre 22 e cartuchos não tinham regulamentação especial, nessa época. Aprendi com o pessoal da loja a comprar cartuchos.
Eram vários tipos de chumbo: chumbos pequenos, que se espalhavam muito, chumbos maiores, que atingiam o alvo de uma forma mais concentrada, e chumbos únicos, que faziam um estrago danado no alvo. Algumas pessoas tinham recarregadores manuais de cartucho e faziam a própria munição. Não era difícil encontrar munição “personalizada” também. Muitos carregavam o cartucho com sal grosso – eram os famosos e dolorosos “tiros de sal”, usados para espantar moleques atrevidos, que roubavam frutas nos pomares, ou pescavam em pesqueiros reservados em terra alheia, por exemplo: sapecavam a pele que era uma beleza, mas, não matavam. Já fui alvo de disparos desse tipo, mas, felizmente, eram de curtíssimo alcance e a gente nessa época corria bem...
Nessa mesma época, as famosas “espingardas de chumbinho” - armas que disparavam pequenos projéteis feitos de um chumbo muito maleável, disparados por ar comprimido, também eram muito comuns e até populares. Muitos dos meus amigos as tinham.
Me lembro, por exemplo, do Chico, do Antônio – esse também tinha um rifle Winchester calibre 44 (lindíssimo!), do Orlandinho e do Maurício: todos tinham espingarda de chumbinho. Andávamos pela rua afora, em Belo Horizonte, no bairro da Serra, com essas armas. Tranquilamente, sem problemas e sem espantar ninguém. Um alvo preferencial, eram os pardais e rolinhas – caçadas totalmente cretinas e sem sentido, cujo objetivo era somente ver quem acertava o coitado do bichinho. Mas também faziamos “guerras”: alguns em um esconderijo e outros em outro. Tinhamos que atirar nos alvos colocados na “trincheira inimiga” - coisa potencialmente irresponsável e perigosa, mas, havia o concenso quase geral, que essas armas “não matavam”. Até o dia em que um garoto do bairro perdeu um dos olhos por causa de um disparo de chumbinho. Daí, a “farra” acabou e o acesso às espingardas ficou restrito.
Fora isso, a única repreensão que me lembro de ter ouvido, na rua, em Belo Horizonte, armado com uma espingarda de chumbinho, foi de um senhor que ficou espantado por eu carregar os cuzi-lo no cano da arma). Ele me disse: “Ei, garoto, você tá doido? Chumbo faz mal pra saúde”. E foi só isso.
Alguns anos depois, a legislação ficou mais severa e eu, mhumbinhos na boca (era mais fácil do que pegá-los na caixinha e o cuspe facilitava introdenor de idade, só conseguia os chumbinhos e os cartuchos para as “cartucheiras”.
Alguns anos depois, nem isso: até os cartuchos passaram a ser vendidos somente para maiores de idade com registro de armas. Claro que essas mudanças na legislação acompanhavam a escala da violência urbana, principalmente.
Aos 18 anos, comprei eu mesmo uma arma. Fiquei em dúvida entre uma pistola automática 765, da Taurus, e uma carabina URCO calibre 38, semi-automática, com carregador para cinco tiros. Acabei comprando a segunda. Comprei na Mesbla, na rua Curitiba, esquina com Afonso Pena, em Belo Horizonte. Tive que preencher registro na polícia civil e tudo mais.
A minha amada espingarda 22 havia desaparecido, em circunstâncias muito pouco esclarecidas e que envolvem pessoas da família, portanto, não vou comentar.
Esse rifle, ficava comigo em casa, em BH, tranquilamente, já que era registrado, mas eu não tinha porte, portanto, ele ficava mais em casa mesmo, e eu não me arriscava a carregá-lo por aí – estavamos nos anos 80 e a situação com relação a armas de fogo havia mudado substancialmente. (Existe uma diferença, pra quem não sabe, entre poder comprar uma arma e poder andar com ela por aí – o chamado porte de arma tem regras mais severas ainda. Hoje, é restrito a pouquíssimas categorias profissionais). Depois, vendi essa carabina para um advogado que queria voltar pra sua terra, no Nordeste, onde tinha recebido ameaças de morte. Nunca mais soube de nenhum dos dois: nem da carabina, nem do advogado. Espero que ambos estejam bem e que nunca tenham matado ninguém.
Nessa época, já não gostava mais de caçar o que quer que seja. Mas ainda gostava de armas e de atirar. Cheguei a frequentar um clube de tiro, com um amigo que tinha grana suficiente para bancar esses luxos. Fora isso, dava uns tirinhos de vez em quando na fazenda, em objetos inanimados.
Meu irmão administrava a fazenda, e tinha um Taurus 38, também sem registro, para o qual conseguia munição de vez em quando com amigos – lembrem-se: estamos no Brasil.
Essa é a minha experiência com armas de fogo, de um modo geral. Andei conversando por aí, e descobri que essa experiência, que eu considerava comum, não é tão comum assim. Com o passar dos anos, ela fica cada vez menos comum e quase clandestina, digamos assim.
Em 2002 ou 2003 - não me lembro, foi promulgado o Estatuto do Desarmamento, depois de uma longa discussão que veio desde 1997. Houve, inclusive, um plebiscito sobre a proibição ou da venda de armas no país. Eu, votei não à proibição – sou um dos que acreditam que possuir armas é um direito do cidadão e acredito que não é necessariamente o porte de armas que é responsável pela violência. Mas, gostaria de ressaltar que o objetivo desse texto não é defender essa posição, e sim discutir os fatores mais determinantes da violência armada no Brasil, incluindo o comércio e porte de armas.
Desde então, comprar armas ficou muito difícil e portar armas, mais difícil ainda – legalmente falando. O governo promoveu uma campanha de desarmamento, sob o argumento de que milhões de armas que eram mantidas em casa, alimentavam a violência, seja através do roubo por parte de marginais, seja por acidentes ou por assassinatos cometidos por pessoas tomadas por uma ira momentânea e que, por terem armas em casa, acabavam disparando contra alguém. Para estimular que as pessoas entregassem essas armas, o governo autorizou que as que não eram registradas o fossem e que as pessoas que quisessem se desfazer delas, poderiam levá-las, sob salvo-conduto previamente conseguido com a polícia, até uma delegacia onde seriam remunaradas em até R$ 300,00.
Dados do governo afirmam que, de 2003 até hoje, foram entregues mais de 600 mil armas, dessa forma. Mas, estima-se em alguns milhões as armas em posse de civis, ainda hoje, no Brasil. E os especialistas continuam atribuindo a essas armas, o imenso número de mortes por armas de fogo no Brasil. É aí que a coisa pega...
A primeira coisa que chama a atenção é o número de assassinatos por arma de fogo no Brasil: foram, em 2011 ´último ano com dados consolidados, arredondando, TRINTA E NOVE MIL pessoas. O que nos coloca em primeiro lugar, NO MUNDO, em números absolutos. Para comparação, nos EUA, onde a compra e porte são permitidos a qualquer pessoa na maioria dos estados, esse número, no mesmo ano, foi de NOVE MIL pessoas. Ou seja: matamos quatro vezes mais, por arma de fogo, com todas as restrições, do que nos EUA, onde, segundo algumas pessoas que conheço, há uma “cultura das armas de fogo”.
Se consideramos as diferenças populacionais entre o Brasil e os Estados Unidos, nossa “vitória” em assassinatos é bem mais expressiva...
E, curiosamente, fazemos críticas aos norte-americanos por esse “amor às armas”... Será ignorância ou será ignorância, de nossa parte, sobre o que acontece no país?
Entre 2003 e 2005, os que defendiam a tese do desarmamento comemoraram: houve uma redução de 8% no número de assassinatos por armas de fogo no Brasil – atribuíram essa diminuição ao estatuto do desarmamento e à campanha a ele atrelada. Entretanto, de lá pra cá, o número de assassinatos por armas de fogo voltou a crescer.
Outro dado importante, é o que afirma que a esmagadora maioria das armas usadas nesses assassinatos, é de fabricação nacional, o que descartaria o contrabando de armas – coisa também absolutamente comum no país, como um componente que alimenta essa violência, desmoralizando o estatuto do desarmamento.
Um dado estatístico que ajudaria a explicar isso, é o que informa que das 60 mil armas registradas no Brasil por empresas de segurança, em torno de 24 mil – ou um terço delas, é roubada em apenas um ano.
Mas, há questões mais graves: recentemente, um policial militar da ROTA, em São Paulo, apreendeu um revólver calibre 38, com numeração ainda em ordem. Levou a arma para a delegacia e descobriu que essa mesma arma, com essa mesma numeração, já havia sido apreendida outras CINCO VEZES pela polícia paulista. Vamos fazer uma pergunta óbvia: como é que uma arma apreendida pela polícia volta para as ruas? Precisa responder, amigo leitor?
Outra questão a considerar: os especialistas, seja no Brasil, seja nas Nações Unidas, afirmam, peremptoriamente  que existe uma relação inegável entre a desigualdade social e a violência urbana e as mortes por arma de fogo.
No Brasil, segundo o governo, a renda subiu, a pobreza diminuiu e está a ponto de ser eliminada definitivamente – novamente, segundo o governo (não vou rir, porque isso aqui é um texto sério, ao contrário dos governos brasileiros). Mas a violência urbana continua subindo... Como explicar isso então?
Senão, vejamos: apesar do desarmamento, as mortes por armas de fogo, que diminuíram por um pequeno período, voltou a subir. Apesar do aumento da renda e da eliminação da pobreza – segundo o governo - a violência continua subindo. Isso, na minha opinião, significa que, se esses argumentos são válidos, como dizem os especialistas, no caso do Brasil eles não são suficientes para reduzir definitivamente o número de mortes por armas de fogo.
Então, e afinal de contas, onde está o problema? Eu, claro, tenho minhas opiniões, que por acaso coincidem com as opiniões de muitas outras pessoas neste país.
Pra mim, e pra muita gente o problema tem nome: IMPUNIDADE.
Neste país, é fácil ma preciso lembrar que, menores de idade podem matar. Serão “apreendidos” por algum tempo e depois sairão, na maioridade, com fichas policiais absolutamente limpinhas, limpinhas – a justificativa é não “condenar” essa pessoas por toda a vida, possibilitando a “recuperação” e reintegração dessas pessoas à sociedade – lindo, mas distante da realidade.
A segunda coisa que é preciso lembrar é que, portar armas de fogo é ilegal e é fácil não ser pego ou ser “perdoado” por isso.
Antes de mais nada, é punível com até quatro anos de prisão. Como é pena “pequena” o cidadão não fica preso, pode responder ao processo em liberdade. Se for reincidente, também não fica em cana, deve pegar um regime aberto, ou semi-aberto, pelo mesmo motivo : penas de até quatro anos são “beneficiadas” com regimes prisionais especiais. As alegações são duas: população carcerária no Brasil é muito grande e as prisões são “universidades do crime” - levar o cidadão pra lá pode piorar a situação, transformando o cidadão em criminoso, definitivamente. Então, deixam os caras pela rua afora, com os outros cidadãos que entregaram suas armas estão desarmados na rua e em casa.
A terceira coisa que é preciso lembrar: a pena máxima no Brasil é de 30 anos. Mesmo que penas se acumulem, não podem passar de trinta anos. E esse período pode ser transformado em prisão por apenas um sexto desse período, ganhando o cidadão “progressão de pena” para semi-aberto, por exemplo, por “bom comportamento” - a estratégia de se declarar “arrependido” e abraçar uma religião, até como pastor ou pastora, tem se mostrado infalível, como demonstra o recente benefício concedido à “Pastora” Suzana Von Richstoffen – a doce garotinha arrependida que mandou matar os próprios pais... Na cabeça das pessoas deste país, quem é religioso não mata, ou mata menos. Talvez se esqueçam que mais de 90% das pessoas, quando são presas, declaram ter religião... Talvez nunca tenham estudado as guerras religiosas pelo mundo afora... Ou talvez tenham se esquecido de certas práticas culturais por aqui: Lampião, só como exemplo, pedia proteção divina antes de cometer seus crimes – e recebia. Não sei o que é mais contraditório...
A quarta coisa a ser lembrada, e que impressiona definitivamente: dos homicídios cometidos, hoje, no Brasil, SOMENTE 8% SÃO RESOLVIDOS. Tradução: 92% dos homicídios cometidos, hoje, no Brasil, vão ficar absolutamente impunes. Ninguém saberá nem mesmo quem cometeu o crime.
Imagino que isso seja um estímulo maravilhoso para se matar alguém: a chance de descobrirem que foi você, no Brasil, é estatisticamentemuito pequena(quem sabe o ENEM não gostaria de colocar uma questão desse tipo em sua prova de matemática, não é?) Somado à brandura das penas, a sensação é, ao meu ver, de “liberou geral”, o que explicaria muita coisa.
Se você quer um termo de comparação: no Japão, 95,9% dos homicídios são esclarecidos. Na Alemanha, 94 %; no Reino Unido, 78% e nos EUA, 68,3%.
Em resumo, na minha opinião, a violência provocada por armas de fogo, no Brasil, não vai cair, nem pelo Estatuto do Desarmamento, nem pela diminuição da desigualdade social (que cai pouquíssimo, por mais que o governo queira dizer o contrário). Ela só vai cair quando a pessoa que estiver atrás do gatilho, tiver a absoluta certeza, antes de puxar o gatilho, que aquele gesto terá consequências sim, pesadas e imediatas, para sua vida.
Caso contrário, essa sensação que temos hoje, de que podemos sair de casa e morrermos baleados, espancados, queimados, por motivos banais, ou por motivo nenhum, vai se tornar cada vez mais comum, até ao ponto em que teremos que reconhecer que no Brasil se morre muito mais do que em áreas de guerra e que nós, a população civil desarmada, nossos filhos, nossas famílias, nossos sonhos e projetos, estão completamente à mercê de qualquer pessoa que queira roubar alguns trocados ou um tênis. E ainda vão dizer que o assassino é que é a vítima de uma sociedade injusta.
Pergunto então: onde está a justiça na morte de um garoto que portava um celular? É por acaso algo proibitivo para a maioria da população? Os números dizem o contrário: há mais celulares que gente, no Brasil. Onde está o crime de uma policial, que nem usava armas por ser lotada em setor administrativo, esposa e mãe, fuzilada na frente da família? Onde está o crime de uma dentista que sustentava toda uma família que agora mal sabe como vai sobreviver? Qual o crime dessas pessoas? Que mau elas fizeram? Trabalhar? Estudar? Ou talvez tenham cometido o maior dos crimes neste país: acreditar que é função do estado proteger seus bens, sua vida, seus direitos básicos?
Valores burgueses esses meus, prezado leitor? Quais são os seus valores não-burgueses? Onde eles podem ser medidos? Na Venezuela, país com um dos maiores índices de violência do mundo? Em Cuba, onde a população vive à mercê de um estado policial e fascista? Na Coréia do Norte, país onde o governo troca paralisação de programas nucleares por cestas básicas? Não me venha com utopias. Vivo uma vida com os pés no chão, onde discurso não paga minhas contas.
Não ouvi, uma única e solitária voz, dos que se auto-intitulam “defensores dos direitos humanos”, no Brasil, protestar contra o livre e impune extermínio de cidadãos pacíficos, desarmados, trabalhadores... Porquê? Porque eram brancos? Porque eram policiais? Porque não viviam em “comunidades”? Esse então o crime delas? A vida dos que classificam como “privilegiados” (que privilégios tinham a pobre mãe de família assassinada? Que privilégios tinha a modesta dentista assassinada? Trinta reais na conta?) é banal para o estado brasileiro? O que querem essas pessoas? Inverter o processo que acusam? Dizem que jovens negros, mulatos e pobres são vítimas do “sistema” (esse ser inexistente...) e são os que mais morrem: é verdade. As estatísticas provam isso... Vamos protegê-los em detrimento dos outros? A ideia é inverter o genocídio? Onde há justiça nisso? Vamos resolver os problemas de toda a sociedade ou vamos selecionar quem merece viver ou morrer, usando critérios ideológicos nada justos ou confiáveis?
Não faço ideia do que pensam os “poguesistas”... Não faço ideia nem se pensam de fato, ou se estão em busca de uma auto-afirmação e realização pessoais criminosas, na minha opinião... Nenhum dos argumentos deles me convence. Nenhuma das ações tentadas até agora resolve ou ao menos esboça justiça e segurança para TODOS – brancos, negros, amarelos, ricos, pobres ou até a Xuxa.
Pra mim, só existem pessoas, que, na absoluta e esmagadora maioria, luta, diariamente, por seus sonhos e pela vida que desejam pra si. E ainda vejo a hipocrisia brasileira criticar os EUA e um cretino ex-candidato a prefeito no Rio de Janeiro dizer que “a culpa individual pela violência é coisa da burguesia para penalizar os pobres e os negros. A culpa é coletiva”... Eu, ao contrário, aprendi que ser homem é assumir suas culpas. Se as desigualdades sociais fossem as únicas responsáveis, já estaríamos todos mortos. Pelo Brasil e pelo mundo afora existem milhões de pessoas injustiçadas, exploradas, humilhadas, mas que nem por isso se acham no direito de tirar a vida dos outros: persistem em sua luta diária e não instrumentalizam seus problemas – e essas constituem a esmagadora maioria.
Muitos países em guerra, são mais seguros que o Brasil. Mortos povoam os noticiários. Mortos de todas os tipos, classes sociais e cor. Enfim, quem viver, literalmente, verá. Boa sorte a todos.