segunda-feira, 21 de maio de 2012

A HISTÓRIA DO BARÃO VERMELHO

O BARÃO VOADOR
(Manfred Von Rithoffen – o Barão Vermelho)

(Dedicado a meus alunos do Nono Ano do CLC)

Fonte: www.luftwaffe39-45.historia.nom.br

(Manfred Von Richtoffen - o "Barão Vermelho")



Nascido no dia 02 de maio de 1892, em Breslau, no Império Alemão (hoje, faz parte da Polônia), Manfred Albrecht Freiherr von Richthofen, tornou-se o maior Às da ainda nascente aviação, durante a Primeira Guerra Mundial, e considerado também se não o maior, um dos maiores pilotos de combate de toda a história.
De origem aristocrática, o Tenente Von Risthoffen entrou para a Lufthwafe (A força aera alemã) em 1916, pilotando um Albatros DII. Foi convidado para o Grupo Aéreo JASTA II (Jagdstaffel – “Grupo de Caça”), pelo Às alemão Oswald Boelcke.
Seu primeiro combate aéreo aconteceu sobre Cambrai, na França. Em pouco tempo, já tinha dezesseis vitórias no currículo, o que lhe valeu a Medalha de Honra e a promoção para Capitão de Esquadrilha. Uma de suas vítimas, foi o Às britânico Lanoe Hawker.
Tinha o hábito de colecionar pedaços do avião iinimigo abatido, quando possível, e também de gravar um pequeno cálice de prata gravado com o tipo de avião abatido e a data. Quando morreu, em 1918, sua coleção tinha nada mais, nada menos que 80 cálices: o maior número de aviões abatidos por um piloto em toda a história da aviação.
Em 1917, já comandante do grupo de caças e reconhecido como herói nacional alemão, escreveu um livro onde narrava suas aventuras e histórias. Narrado em tom arrogante, o livro ajudou a transformá-lo num mito. Manfred adorava caçar, e deixa evidente no livro que tratava seus inimigos como “animais selvagens” a serem abatidos.
Muitas de suas lições e táticas, como a de voar contra o sol, para abordar o inimigo, e a tática de ataque em grupo, tornaram-se lendárias nos primeiros tempos da aviação de combate. Sua fama e habilidade atraíram outros grandes pilotos para sua esquadrilha, que se transformou em um verdadeiro pesadelo para os ingleses até 1917: Ernst Udet (62 vitórias), Lothar von Richthofen (40 vitórias), Kurt Wolf (33 vitórias), Karl-Emil Schäfer (30 vitórias), Carl Allmenröder (30 vitórias), Hermann Göring(22 vitórias), Hans Klein (22 vitórias), Wilhelm Reinhard (20 vitórias) e vários outros passaram pela Jasta 11
Em 1917, tomou a decisão de pintar seu novo avião, um Albatroz DIII, de vermelho. Seus companheiros, preocupados com o fato de que ele se tornaria um alvo em potencial, decidiram também pintar seus aviões. Surgiu então o apelido famoso de “Circo Voador” para a esquadrilha de Manfred, e o apelido de “Red Baron” dado pelos ingleses (Barão, por sua origem nobre, somado ao vermelho do avião). Mas, é importante lembrar, que somente pilotos que provassem seu valor em combate podiam pintar e personalizar seus aviões.

(A Esquadrilha JASTA 11, conhecida como "Circo Voador", por suas cores. Os aviões da foto são Modelo Albatroz D III)


No dia 29.04.1917, ele abateu quatro adversários e, nesse dia, recebeu um telegrama do próprio Kaiser Wilhelm II, lhe congratulando por ter ultrapassado a marca de 50 vitórias.
Ao longo dos meses de maio e junho de 1917, Richthofen esteve distan-te do front, realizando várias viagens de propaganda dentro da Alemanha e em países aliados. Encontrando-se com a realeza e membros do Alto-Comando alemão, como Hindenburg e Ludendorff, ele ainda pode desfru-tar de alguns dias de licença com seus familiares.
Quando retornou à frente de combate, várias Jastas - entre elas a 10 (de Werner Voss - 48 vitórias) e a 11 - haviam sido agrupadas no Jagdgeschwader 1 (JG 1), e eram equipadas com o Albatros D.V. No final de junho, Richthofen já somava 56 vitórias, mas sua sorte estava para sofrer um sério golpe. Em 06.07.1917, à bordo de seu Albatros D.V (número de série 4693/17), ele teve um encontro com a morte, enquanto perseguia um bombardeiro bimotor F.E.2b:
"Eu olhava para o observador, extremamente excitado atirando e minha direção. Eu calmamente o deixei atirar, já que nem o melhor dos atiradores consegue acertar algo a uma distância de 300 metros. Ninguém consegue! (...) De repente, houve um estouro em mi-nha cabeça! Eu fui atingido! Por um momento eu fi-quei completamente paralisado... a pior parte é que o impacto na cabeça tinha afetado meu nervo ótico e eu fiquei completamente cego. O avião começou a mergulhar."
Richthofen recobrou a consciência à tempo e, escolta do por dois companheiros, aterrissou em um campo próximo a Wervicq (Bélgica). Levado para o hospital St. Nicholas, lá foi operado pelo Majorgeneral do Cor-
po Médico alemão, Prof. Dr. Kraske.

"Eu tinha um respeitável buraco em minha cabeça, um ferimento de cer-ca de 10 centímetros de comprimento, no qual havia um local do tamanho de uma grande moeda, onde podia-se ver o osso claro de meu crânio. Minha cabeça dura tinha me salvo mais uma vez."

A despeito de ter tido o melhor tratamento disponível à época, o ferimen to de von Richthofen nunca cicatrizou e curou-se completamente. As ataduras e fragmentos de osso continuaram a atormentá-lo através de terríveis dores de cabeça pelo resto de seus dias. Mais uma vez ele foi enviado para casa, a fim de se recuperar. E, durante os meses de julho, agosto e setembro de 1917, efetuou poucas missões de combate.
No final de agosto de 1917, os primeiros triplanos Fokker Dr.I começa-ram a chegar ao JG 1. Embora ficasse a princípio desconfiado do peque no avião, logo Richthofen acabou se impressionando com a agilidade do novo aparelho: "ele sobe como um macaco e é tão ágil quanto o demônio".
Em sua primeira missão com o hoje famoso triplano, no dia 01.09.1917, ele alcançou a marca, até então inédita, de 60 vitórias. Pintado de ver-melho (com o leme em branco), o seu Fokker Dr. I (número de série 425/17) é, com certeza, o mais famoso avião de combate da história.

Depois de uma licença no Natal de 1917, que passou caçando com o irmão Lothar na floresta de Bialowicka, von Richthofen retomou definitivamente sua carreira de piloto de caça, mas mantendo o "espírito esportivo". Quando ele abateu o 2nd Lieutenant H. J. Sparks - sua 64ª vitória - ele enviou para o inglês hospitalizado, uma caixa de charutos.
Durante os meses de março e abril de 1918, Richthofen abateu nada menos que 17 aviões inimigos, todos à bordo de seu inconfundível Fok-ker. Sua última vitória - a 80ª - foi alcançada no dia 20.04.1918 e seu adversário, o Lieutnant D. E. Lewis também sobreviveu ao encontro, pa ra ser capturado pelas forças alemãs. À essa altura, além de seu irmão Lothar, Manfred também estava comandando seu primo Wolfram von Richthofen que, durante a II Guerra Mundial, chegaria ao posto de Gene ralfeldmarschall.
Na manhã do dia 21 de abril de 1918, o canadense Captain Roy Brown liderava uma formação de 15 Sopwith Camels, escoltando alguns aviões de reconhecimento fotográfico. Quando alguns Fokkers e Albatros mer-gulharam sobre os aviões, um gigantesco combate começou, com mais de trinta aeronaves virando, disparando e atacando umas às outras. Um Fokker vermelho posicionou-se na traseira do avião do Lieutnant Wilford May - era Richthofen. No afã de tentar abater sua presa, ele não viu quando Brown aproximou-se por trás disparando sua metralhadora.
De repente, enquanto voavam a baixa altitude próximo a Sailly-le-Sac - área controlada por tropas australianas - o avião de Richthofen simplesmente mergulhou e pousou no chão, quase sem sofrer danos. Os australianos, chegaram até o avião e encontraram Richthofen morto dentro do cockpit. Era o fim do Barão Vermelho.

(Foto do Corpo do Barão Vermelho)


Seu avião foi praticamente destruído por caçadores de lembranças e, quase imediatamente iniciou-se uma terrível polêmica, que dura até hoje, sobre quem efetivamente abateu Richthofen. Embora tenha sido creditado por essa vitória, Roy Brown nunca clamou tê-lo abati do oficialmente. Por sua vez, os australianos, afirmam que efetua-ram vários disparos do solo. Partes de seu avião podem ser vistos na Austrália e no Canadá, enquanto o motor permanece no Imperial War Museum em Londres (UK). Outras partes repousam nas mãos de colecionadores particulares e, às vezes, vêm à leilão.
Os britânicos, após confirmarem a identidade de Richthofen e efetua rem uma breve autópsia decidiram enterrar o inimigo caído com hon-ras militares. Escoltado por soldados australianos e conduzido por seis capitães da RAF, seu caixão foi baixado em uma sepultura indi vidual no cemitério de Fricourt no dia 22 de abril de 1918 - dez dias antes de seu 26º aniversário. No fim, a guarda de honra deu uma sal va de 21 tiros em sua homenagem. Fotografias foram tiradas do fune ral e, alguns dias depois, aviões britânicos as jogaram sobre a base aérea do JG 1 em Cappy, com a seguinte mensagem:
"Para o Corpo Aéreo Alemão:

Rittmeister Manfred Freiherr von Richthofen foi morto em combate aéreo em 21 de abril de 1918. Ele foi enter-rado com todas as honras militares.

Assinado: British Royal Air Force."
A morte de Richthofen foi um duro golpe para o povo ale-mão, mas sua lenda cresceu espantosamente nos anos seguintes. A liderança do JG 1 foi assumida pelo Haupt-mann Wilhelm Reinhard, que morreu pouco mais de um mês depois, em um acidente de vôo. Foi sucedido por ou tro ás, que também entraria para a história: Oberleutnant Hermann Göring.
Ele comandaria o Geschwader Richthofen até o fim da guerra, em 11.11.1918. Já seu irmão, Lothar von Richtho fen, sobreviveu ao conflito, também recebendo a Pour Le Mérite por suas 40 vitórias, mas morreu em um acidente em 1922.
Em 1925, a pressão popular e da família para que seus restos retornassem à Alemanha surtiu efeito. No dia 14.11.1925 seu corpo foi exumado e trasladado de volta à sua terra natal. Em Berlim uma carruagem transportando seus restos e escoltada por uma guarda de honra composta só por ex-pilotos ganhadores da Pour Le Mérite, o conduziu até seu descanso no Invalidenfriedhoff, o principal cemitério da capital alemã.
Seu nome serviu para batizar uma das melhores unida-des da Força Aérea nazista na II Guerra Mundial, o Jagd geschwader 2. Após a derrota do III Reich, em 1945, o monumento sobre a sua sepultura foi destruído pelos soviéticos.
Mas os alemães nunca esqueceram o maior ás da I Guerra Mundial: quando da criação da nova Bundesluft-waffe no final dos anos 50, sua primeira unidade de ca- ças foi apropriadamente chamada de JG 71 "Richthofen" cujo primeiro comandante, numa escolha acertada, foi o maior ás da II Guerra Mundial, Major Erich Hartmann.
Nos anos 70, Bolko von Richthofen - que não seguiu a carreira militar, tornando-se um bem sucedido empresá- rio - conseguiu negociar com o governo da então Alemanha Oriental para que os restos mortais de seu irmão fossem enviados para o lado ocidental onde, finalmente, encontraram seu repouso definitivo. Mas hoje em dia, passados mais de 100 anos de seu nascimento, o Rittmeister Manfred Freiherr von Richthofen ainda vive em nossa imaginação.

(Réplica do Fokker Triplano do Barão Vermelho construída nos EUA)

domingo, 6 de maio de 2012

SANTOS DUMONT: ELE NÃO INVENTOU O AVIÃO NEM O RELÓGIO DE PULSO

SANTOS DUMONT – ELE NÃO INVENTOU O AVIÃO NEM O RELÓGIO DE PULSO
Adaptado de : Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil
Leandro Narloch


O aviador mineiro Alberto Santos Dumont foi uma grande figura. Filho de um dos maiores cafeicultores do mundo, amigo de magnatas e princesas e provavelmente gay, era uma estrela dos cafés e bulevares de Paris durante a Belle Époque. Nos anos de paz, otimismo e inovação que alegraram a França no começo do século XX, enquanto os irmãos Lumière inventavam o cinema e os expressionistas inovavam a pintura, Santos Dumont encantava a capital do mundo com seus balões, Provou que as estruturas movidas a hidrogênio ou ar quente poderiam ser dirigíveis e tornou propriedade pública o direito de alguns de seus inventos, permitindo que qualquer pessoa copiasse os projetos de graça. Infelizmente, entre as conquistas do brasileiro não se inclui a descoberta do avião. Na verdade, é um pouco infantil insistirmos que Santos Dumont inventou o avião. O crédito dessa descoberta é obviamente dos irmãos Orville e Wilbur Wright. Os dois fabricantes de bicicletas nos EUA voaram antes, voaram mais e contribuíram muito mais para a indústria aeronáutica que o inventor brasileiro.
Os patriotas que defendem Santos Dumont como o grande pioneiro da aviação costumam se basear em dois argumentos principais:
1. O argumento do registro oficial
Santos Dumont foi o primeiro homem a registrar um voo controlável com um objeto mais pesado que o ar (e não um balão de ar quente). Essa façanha ocorreu no dia 12 de novembro de 1906, no campo de Bagatelle, arredores de Paris. A bordo do 14 BIS, ele voou uma distância de 220 metros. Apesar de ter atingido uma altura máxima de 6 metros conquistou um prêmio de 1500 francos do Aeroclube Francês, destinado a quem conseguisse voar por mais de 100 metros de distância. Já os irmãos americanos Orville e Wilbur Wright e outros pioneiros, que afirmam ter voado antes de 1906, não registraram o feito nem o comprovaram em público como fez o brasileiro.
2. O argumento do estilingue
Os aviões dos Wright não saiam do chão usando força própria. Uma catapulta os impulsionava no momento da decolagem, que também era facilitada por uma linha de trilhos em declive. Como o comitê francês que premiou Santos Dumont proibia forças externas empurrando os aparelhos, a façanha dos Wright é inválida. Já o 14-BIS realizou um voo autônomo, impulsionado por um motor próprio.
Veja a seguir, cinco razões para não acreditar nesses dois argumentos.

Enquanto os irmãos Wright inventavam o avião, Santos Dumont construía balões


Flyer I - foto de original de 1903


(...) Era dezembro de 1903. Das 10h35 até o meio-dia, os irmãos Wright fazem pequenos voos (de 36, 53, 61 e 260 metros) numa praia de Kitty Hawk, Carolina do Norte, EUA. O Museu do Ar e do Espaço, da França, e a Associação Aeronáutica Internacional reconhecem o episódio como a primeira vez que o homem saiu do chão com uma máquina dirigível mais pesada que o ar. O Flyer I usa correntes de bicicleta, madeiras de construir casas e, exatamente como os aviões do futuro, hélices, um motor a gasolina e asas levemente curvas. O garoto Johnny Moore, o salva-vidas John Daniels e mais duas pessoas testemunharam o fato; uma foto o registra.
(...) Na mesma época, Santos Dumont mal imagina que pode sair do chão com um aparelho desprovido de bolsas de ar quente. Os balões lhe rendiam fama mundial desde 1901, quando, a bordo de um modelo alongado, com hélice e um leme, conseguiu dar uma volta na Torre Eiffel. Em 1903, o brasileiro não quer abandonar os balões, pelo contrário. Acha que eles são o futuro dos transportes urbanos.

Há, sim, provas e testemunhas dos voos dos irmãos Wright

É verdade que não houve registro oficial do voo dos americanos, sobretudo porque não existia, nos EUA, prêmios e concursos para pioneiros iguais aos que havia na França. Também porque estavam mais preocupados em ganhar dinheiro com a fabricação de seu projeto do que conquistar prêmios e notícias adulatórias nos jornais. Quando alguém perguntava porque não faziam voos públicos, os dois diziam: “Não somos artistas de circo”.
Além da discrição os Wright pensavam que, se alguém patenteasse o avião antes deles, todo o esforço em construir as estruturas e testá-las iria pelos ares. Temiam que o projeto fosse copiado. (...) Preferiam ter certeza de que haviam inventado o avião antes de divulgar a descoberta.
A certeza chegou em 1904, quando os Wright somaram 45 minutos de voo. Estavam tão seguros do pioneirismo que resolveram chamar a imprensa. Voos desse ano e do seguinte foram testemunhados por viajantes, empresários e repórteres. Em outubro de 1905, os dois mandaram trinta convites para que testemunhas de credibilidade os assistissem. E elas se deslumbraram. No dia 05 de outubro, Wilbur Wright voou com o Flyer III durante 39 minutos, percorrendo 38,9 quilômetros. Bateu o recorde de distância e fez os primeiros voos circulares, dando trinta voltas no campo de testes. Cerca de sessenta pessoas assistiram àquela e a outras demonstrações.
(...) Um ano antes de Santos Dumont exibir-se com o 14-BIS, voar já era uma rotina para os Wright. Depois de voos espetaculares de 1905, eles resolveram encerrar a fase de testes. Dedicaram-se a vender a ideia e ganhar dinheiro com ela. No dia 19 de outubro de 1905, escreveram para o departamento de Guerra dos EUA já com um toque de arrogância:
“Não pensamos em pedir ajuda financeira do governo. Nós pretendemos vender os resultados dos experimentos feitos com nosso próprio dinheiro.”
Também pediram detalhes do negócio:
“Não podemos fixar um preço nem um prazo de entrega, até ter uma ideia das qualificações necessárias para a máquina. Também precisamos saber se vocês desejam reservar o monopólio de uso dessa invenção, ou se permitirão que aceitemos pedidos de máquinas similares para outros governos, e para dar demonstrações públicas, etc”.
(...) Em maio de 1906, os dois obtiveram o registro de patente número 821.393, referente a controles de uma máquina de voar. A patente contem esboços detalhados do Flyer I, detalhando dimensões e o funcionamento dos mecanismos de aerodinâmica e controle, possibilitando máquinas voarem para os lados, para cima e para baixo. (...) A patente foi requerida três anos antes, ou seja, em 1903. Demorou para ser aprovada, mas, saiu seis meses antes de Santos Dumont ganhar prêmios com o 14-BIS.

O 14-BIS não voava: dava pulinhos


(...) Foi em 12 de dezembro de 1906. No campo de Bagatelle, diante de uma multidão, ele ligou o motor improvisado de um automóvel e percorreu, dentro do cesto, do 14-BIS, 220 metros, chegando a uma altura máxima de 6 metros. Sem saber que os americanos já tinham voado muito mais nos anos anteriores, os jornais franceses estamparam Santos Dumont como o grande pioneiro aéreo. O brasileiro, porém, não ganhou os 50 mil francos do Grande Prêmio da Aviação, já que percorreu menos de um quilômetro. Levou dois prêmios muito menores: 1500 francos do prêmio do Aeroclube, destinado a quem voasse mais de 100 metros (...) e 3 mil francos oferecidos por Ernest Archdeacon para quem voasse mais de 25 metros.
O herói brasileiro só voaria de novo com o 14-BIS em abril de 1907. Depois de um voo de 30 metros de distância, a máquina se desequilibrou bruscamente e bateu no chão.
O projeto foi abandonado. Seu “pato”, como era chamado pelos franceses, deixaria um legado pequeno. Nem Santos Dumont nem nenhum outro aviador levariam para frente a ideia de um avião formado com asas em forma de caixa e uma cesta de balão para levar o piloto.

Os franceses esqueceram Santos Dumont quando conheceram os Wright


Flyer III

Em maio de 1907, o secretário de defesa dos EUA escreveu aos Wright pedindo que apresentassem uma proposta de venda em série de aviões e instruções de voo.(...) No ano seguinte, finalmente convenceriam os europeus.
A Compagnie Générale de Navigation Aérienne, da França, tinha se interessado em comprar a patente e fabricar aviões – não, não os de Santos Dumont, mas o dos irmãos Wright. Para fechar o contrato, era preciso uma demonstração. Ela aconteceu em 8 de agosto de 1908, em Le Man, a 30 km de Paris. Wilbur Wright deixou os franceses estupefatos com seus longos, altos e ininterruptos voos em forma de oito. “O senhor Wright tem todos nós em suas mãos”, disse, depois dos testes, Louis Blériot, amigo de Santos Dumont e aviador que no ano seguinte seria o primeiro aviador a cruzar o Canal da Mancha.
(...) Os irmãos usavam mesmo uma catapulta e trilhos para impulsionar o Flyer. O mecanismo simplificava a decolagem.(...) Em 1908, durante as demonstrações da França, os técnicos que observavam o voo de Wilbur Wright questionavam o invento porque ele usava força exterior para decolagem. O americano sequer discutiu. Resolveu decolar sem os trilhos e a catapulta. Voou e quebrou recordes do mesmo modo.
(...) Em todo o mundo (com exceção do Brasil), a polêmica sobre o pioneirismo do avião acabou ali. Em 1908, os Wright mostraram que a criação de aviões tinha ultrapassado a fase de testes e façanhas extraordinárias. O avião já era uma realidade, bastava apenas alcançar a produção industrial

SANTOS DUMONT NÃO ERA PACIFISTA.

Ao contrário do mito que afirma que Santos Dumont ficou muito triste depois de ouvir um bombardeio aéreo ocorrido perto de seu hotel em Guarujá, em 1932, Santos Dumont sabia da utilidade militar dos elemntos aéreos e a promovia. Numa carta enviada aos jornais americanos em 1904, ele próprio afirma: “a França adotou meus planos de balões militares e pretende aproveitá-los na próxima guerra”, e que o Japão solicitava seus balões para uso militar, o que incluía “jogar explosivos de alta potência em Port Arthur”*
*Isso aconteceu em 1905, na Guerra a Rússia e o Japão, no Pacífico (nota minha, Murilo)

quarta-feira, 2 de maio de 2012

TODOS CONTRA O PARAGUAI



TODOS CONTRA O PARAGUAI



A guerra mais sangrenta da América do Sul teve um roteiro digno de uma odisseia. Resultado: dezenas de milhares de vítimas
Leslie Bethell


Texto publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional




Tudo começou no Uruguai, com uma rebelião dos colorados (liberais) em abril de 1863, encabeçada pelo general Venâncio Flores, pela derrubada do governo dos blancos (conservadores) eleito em 1860. O conflito desencadeou a sequência dos acontecimentos que levaram à Guerra do Paraguai.

A Argentina e o Brasil apoiaram a rebelião colorada – era a primeira vez que os dois países estavam do mesmo lado num conflito uruguaio. O presidente argentino, Bartolomeu Mitre, um liberal eleito em outubro de 1862, tomou essa posição porque os colorados tinham lhe dado apoio na guerra civil de seu país em 1861 e porque os blancos constituíam um foco possível de oposição federalista residual nas províncias litorâneas à república argentina, recém-unificada. Para o Império do Brasil, a questão principal era proteger os interesses dos brasileiros que viviam e tinham propriedades no Uruguai, ameaçados pela rigidez das autoridades daquele Estado sobre o comércio da fronteira e as taxas aduaneiras. Foi nesse contexto que o governo blanco se voltou para o Paraguai como único aliado possível.


Na litografia, a partida das primeiras brigadas do Exército brasileiro de Ouro Preto para Mato Grosso. Era a resposta à ofensiva paraguaia na região, no final de 1864.

Mas o Paraguai temia e desconfiava de seus vizinhos muito maiores, muito mais povoados e potencialmente predatórios: as Províncias Unidas do Rio da Prata e o Brasil. Ambos tinham relutado em aceitar a independência paraguaia e demoraram a reconhecê-la: o Brasil em 1844, as Províncias Unidas em 1852. Ambos tinham reivindicações territoriais contra o Paraguai: o Brasil, no extremo nordeste do país, na divisa com Mato Grosso, região valiosa pela erva-mate nativa; a Argentina, no leste do Rio Paraná (Misiones), mas também a oeste do Rio Paraguai (o Chaco). E havia ainda atritos com ambos quanto à livre navegação no sistema fluvial Paraguai-Paraná.

O presidente do Paraguai, Francisco Solano López, a quem o governo uruguaio procurara para obter apoio em julho de 1863, tinha chegado ao poder em outubro de 1862, após a morte de seu pai, o ditador Carlos Antonio, que governara o país desde 1844. De início, ele hesitou em fazer uma aliança formal com os blancos, seus aliados naturais, contra os colorados no Uruguai, agora que estes tinham o apoio do Brasil e da Argentina. Mas, no segundo semestre de 1863, Solano López viu a oportunidade de mostrar sua presença na região e de desempenhar um papel compatível com o novo poder econômico e militar do Paraguai. No começo de 1864, ele começou a mobilização para uma possível guerra.

Quando o Brasil lançou um ultimato ao governo uruguaio em agosto do mesmo ano, ameaçando retaliar os supostos abusos sofridos por súditos brasileiros, Solano López reagiu com um ultimato alertando o Brasil contra a intervenção militar. Ignorando o alerta, soldados brasileiros invadiram o Uruguai em 16 de outubro. Em 12 de novembro, após a captura de um vapor mercante brasileiro que saía de Asunción para Corumbá, levando o presidente de Mato Grosso a bordo, o Brasil rompeu relações diplomáticas com o Paraguai. Em 13 de dezembro, Solano López tomou a grave decisão de declarar guerra ao Brasil e invadiu Mato Grosso. Quando a Argentina negou autorização ao Exército paraguaio para atravessar Misiones – território disputado e quase despovoado – a fim de invadir o Rio Grande do Sul, Solano López também declarou-lhe guerra, em 18 de março de 1865, e no mês seguinte invadiu a província argentina de Corrientes.

A decisão de Solano López de declarar guerra primeiro ao Brasil e depois à Argentina, e de invadir os dois territórios, mostrou-se um grave erro de cálculo, que traria consequências trágicas para o povo do Paraguai. O mínimo que se pode dizer é que Solano López fez uma tremenda aposta – e perdeu. Ele superestimou o poderio econômico e militar do Paraguai. Subestimou o poderio militar potencial, se não efetivo, do Brasil, e sua disposição de lutar. E errou ao pensar que a Argentina ficaria neutra numa guerra entre o Paraguai e o Brasil em disputa pelo Uruguai.



A aquarela de José Washt Rodrigues, da década de 1920, retrata voluntários da pátria. Calcula-se que o Brasil mobilizou cerca de 140.000 homens durante a guerra.

A imprudência de Solano López resultou exatamente naquilo que mais ameaçava a segurança e até a existência do Paraguai: a união de seus dois vizinhos poderosos – na verdade, como Flores finalmente conseguira tomar o poder em Montevidéu em fevereiro de 1865, a união de seus três vizinhos – numa aliança em guerra contra ele. O Brasil e a Argentina não tinham qualquer atrito com o Paraguai que pudesse justificar uma guerra. Nenhum dos dois queria nem planejava uma guerra contra o Paraguai. Não havia pressão nem apoio público à guerra; de fato, a guerra geralmente era impopular nos dois países. Ao mesmo tempo, porém, não fizeram nenhum grande esforço para evitá-la. A necessidade de se defenderem contra a agressão paraguaia, por mais justificada ou provocada que fosse, oferecia ao Brasil e à Argentina a oportunidade não só de acertarem suas diferenças com o Paraguai no que se referia ao território e à navegação fluvial, como também de punir e enfraquecer, talvez destruir, uma incipiente potência possivelmente expansionista e problemática na região.

Os objetivos originais da guerra, tal como foram expostos no Tratado da Tríplice Aliança assinado pelo Brasil, pela Argentina e pelo Uruguai em 1o de maio de 1865, eram: a derrubada da ditadura de Solano López; livre navegação dos rios Paraguai e Paraná; anexação do território reivindicado pelo Brasil no nordeste do Paraguai e pela Argentina no leste e no oeste do Paraguai — esta última cláusula se manteve secreta até ser revelada pela Inglaterra em 1866. Com o desenrolar do conflito, tornou-se, em particular para o Brasil, uma guerra pela civilização e pela democracia contra a barbárie e a tirania: isso apesar do estranho fato de que o Brasil, após a libertação dos escravos nos Estados Unidos durante a Guerra Civil, agora era o único Estado independente de todas as Américas com a economia e a sociedade em bases escravistas, além de ser a única monarquia remanescente.

A Guerra do Paraguai não era inevitável. E nem era necessária. Mas só poderia ter sido evitada se o Brasil tivesse se mostrado menos categórico na defesa dos interesses de seus súditos no Uruguai, principalmente, se não tivesse feito uma intervenção militar em favor deles, se a Argentina tivesse se mantido neutra no conflito subsequente entre o Paraguai e o Brasil, e, sobretudo, se o Paraguai tivesse se conduzido com mais prudência, reconhecendo as realidades políticas da região e tentando defender seus interesses por meio da diplomacia, e não pelas armas. A guerra, que se estendeu por mais de cinco anos, foi a mais sangrenta da história da América Latina, e, na verdade, afora a Guerra da Crimeia (1854-1856), foi a mais sangrenta de todo o mundo entre o fim das Guerras Napoleônicas, em 1815, e a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Custou de 150.000 a 200.000 vidas (na maioria, paraguaios e brasileiros), no campo de batalha e por privações e doenças decorrentes da guerra.

Diante da enorme disparidade entre os dois lados, em termos de tamanho, riqueza e população, a Guerra do Paraguai deveria se afigurar desde o início uma luta desigual. Mas, militarmente, havia um maior equilíbrio. De fato, no início da guerra, e pelo menos durante o primeiro ano, o Paraguai provavelmente teve superioridade militar em termos numéricos. E provavelmente seu Exército era mais equipado e treinado do que os exércitos vizinhos. Além disso, como as forças paraguaias tinham sido expulsas do território argentino, a Argentina reduziu tanto sua contribuição para o esforço de guerra dos aliados que, no final da guerra, havia apenas cerca de 4.000 soldados argentinos em solo paraguaio. O Uruguai, por sua vez, teve presença apenas simbólica no teatro de operações durante todo o conflito. O Brasil, por outro lado, aumentou seu Exército regular – que tinha entre 17.000 e 20.000 – para 60.000 a 70.000 homens no primeiro ano das hostilidades, com recrutamento obrigatório, transferências da Guarda Nacional, alistamento de escravos de propriedade do Estado e alguns de propriedade particular (libertados em troca dos serviços na guerra) e a formação dos corpos de Voluntários da Pátria. Calcula-se que o Brasil mobilizou durante a guerra cerca de 140.000 homens. E, ao contrário do Paraguai, que dispunha apenas de seus próprios estaleiros e arsenais, o Brasil tinha acesso a armas, munições e navios de guerra, tanto fabricados e montados no país quanto comprados no exterior, principalmente na Europa, além de empréstimos obtidos na City de Londres para ajudar nesses pagamentos. Por fim, o Brasil tinha a Marinha mais forte e poderosa da região.

A guerra pode ser dividida em três fases. A primeira começou com as ofensivas paraguaias a Mato Grosso em dezembro de 1864 e a Corrientes em abril de 1865. Em maio de 1865, o Exército paraguaio finalmente atravessou Misiones e invadiu o Rio Grande do Sul. De início a invasão teve sucesso, mas depois foi contida pelas forças aliadas. No dia 14 de setembro, o comandante paraguaio, coronel Estigarribia, se rendeu aos aliados em Uruguaiana. O Exército paraguaio então se retirou, atravessando o Rio Paraná, e se preparou para defender a fronteira sul do país. Enquanto isso, em 11 de junho, na Batalha do Riachuelo, no Rio Paraná, a única grande batalha naval da guerra, a Marinha brasileira tinha destruído a Marinha paraguaia e criado um bloqueio cerrado ao Paraguai, que se manteve até o fim da guerra.

A segunda e principal fase do conflito começou quando os aliados finalmente invadiram o Paraguai, em abril de 1866, e instalaram seu quartel-general no Tuiuti, na confluência dos rios Paraná e Paraguai. Em 24 de maio, repeliram uma investida paraguaia e venceram a primeira grande batalha em terra. Mas os exércitos aliados demoraram mais de três meses até começarem a subir o Rio Paraguai. Em 12 de setembro, Solano López propôs concessões, inclusive territoriais, para terminar a guerra, desde que lhe fosse poupada a vida e o Paraguai não fosse totalmente desmembrado ou ocupado em caráter permanente, mas sua proposta foi rejeitada. Dez dias depois, em Curupaiti, ao sul de Humaitá, no Rio Paraguai, os aliados sofreram sua pior derrota. Não retomaram o avanço até julho de 1867, quando se iniciou uma movimentação para cercar a grande fortaleza fluvial de Humaitá, que bloqueou o acesso ao Rio Paraguai e à capital, Asunción. Mesmo assim, passou-se mais de um ano antes que os aliados ocupassem Humaitá (5 de agosto de 1868), e mais cinco meses para a derrota decisiva e praticamente a destruição do Exército paraguaio na Batalha de Lomas Valentinas, em 27 de dezembro. As tropas aliadas (na maioria brasileiras), sob o comando do marechal Luís Alves de Lima e Silva, o marquês de Caxias, comandante-chefe brasileiro desde outubro de 1866 e comandante-chefe das forças aliadas desde janeiro de 1868, finalmente entraram em Asunción em 1o de janeiro de 1869 e terminaram a guerra. Pelo menos, assim pensavam os aliados.

Mas houve uma terceira fase: Solano López formou um novo exército na Cordilheira a leste de Asunción e começou uma campanha de guerrilha. Foi derrotado e seus soldados massacrados na última grande batalha em Campo Grande ou Acosta Nu, no nordeste de Asunción, em agosto de 1869. Mesmo assim, López conseguiu escapar com vida. Com sua companheira irlandesa Eliza Alicia Lynch, ele foi perseguido no norte por tropas brasileiras por mais seis meses, até finalmente ser acuado e morto em Cerro Corá, no extremo nordeste do Paraguai, em 1o de março de 1870. Em 27 de julho, foi assinado um tratado de paz preliminar.

Por que demorou tanto até os Aliados vencerem a guerra, apesar de sua esmagadora superioridade naval e, pelo menos depois de Tuiuti, também terrestre? Passaram-se quase quatro anos antes que os aliados chegassem à capital paraguaia. E mesmo então, a guerra se arrastou por mais de um ano. Uma explicação se encontra no lado dos aliados, ou melhor, no lado brasileiro, já que o Brasil ficou praticamente sozinho na guerra após o primeiro ano. Os governos brasileiros enfrentavam enormes problemas logísticos, primeiro para organizar, depois para transportar as tropas por milhares de quilômetros por via terrestre, marítima e fluvial, e, finalmente, para abastecê-las. E vencer as excelentes defesas terrestres e fluviais do Paraguai não foi tarefa fácil. Mas também é verdade que os comandantes brasileiros demonstraram um alto grau de incompetência estratégica e tática. Por outro lado, as tropas paraguaias e, na verdade, o próprio povo paraguaio, mantiveram-se leais a Solano López, combatendo com uma tenacidade extraordinária e, no final, quando estava em jogo a sobrevivência nacional, com grande heroísmo.

Para o Paraguai, a guerra foi quase uma calamidade total. O país sobreviveu como Estado independente, mas sob a ocupação e tutela brasileira no período posterior ao fim da guerra. Somente em julho de 1876, finalmente se retiraram 2.000 soldados e seis navios de guerra brasileiros. A consequência extrema da completa derrota, que seria o desmembramento integral do país, foi evitada, mas o território paraguaio foi reduzido em 40%, e o que restou do Exército foi desarmado. Embora o número de baixas tenha sido muito exagerado – chegou-se a se falar em 50% da população do Paraguai antes do conflito –, e as estimativas recentes e mais modestas estejam na ordem de 15% a 20% da população, o que corresponde a cerca de 50.000 a 80.000 mortes no campo de batalha e por doenças (sarampo, varíola, febre amarela e cólera), os percentuais são enormes pelos critérios de qualquer guerra moderna. A economia do Paraguai ficou arruinada, a infraestrutura e a base manufatureira foram destruídas e o início de um desenvolvimento externo sofreu o retrocesso de uma geração. Por fim, os vencedores impuseram ao país uma indenização enorme, embora nunca tenham cobrado e depois tenham cancelado.

A Argentina sofreu baixas estimadas – possivelmente com exagero – em 18.000 mortes em campo de batalha, mais 5.000 em distúrbios internos desencadeados pela guerra e 12.000 em epidemias de cólera. O território anexado ficou aquém de suas pretensões. De qualquer forma, eliminou-se da política da região platina a perspectiva de um Paraguai cada vez mais forte e potencialmente expansionista. E, num balanço geral, a guerra contribuiu positivamente para a consolidação nacional do país: Buenos Aires foi aceita como capital inconteste de uma república argentina unida, e a identidade nacional se fortaleceu consideravelmente.

O Brasil, que depois do primeiro ano da guerra combateu praticamente sozinho, sofreu baixas de pelo menos 50.000 mortos em combate e muitos outros por doenças, embora num total inferior aos 100.000 às vezes citados. O custo financeiro da guerra sacrificou tremendamente as finanças públicas do país. E a guerra teve profundo impacto na sociedade e na vida política. A Guerra do Paraguai foi um divisor de águas na história do Império, ao mesmo tempo seu apogeu e o início de sua decadência.

Mas o Brasil tinha alcançado todos os seus objetivos. Pelo tratado assinado com o Paraguai em janeiro de 1872, o país obteve todo o território reivindicado entre o Rio Apa e o Rio Branco. Assegurou-se a livre navegação dos rios Paraguai e Paraná, importante para Mato Grosso e o oeste paulista. E o próprio Paraguai, ainda mais que o Uruguai, agora estava sob seu firme controle e sua influência. Assim se consolidava, por ora, a indiscutível hegemonia do Império brasileiro na região.

Leslie Bethell é professor emerito de História da América Latina na Universidade de Londres e editor da coleção Cambridge History of Latin America (12 volumes, Cambridge University Press, 1984-2008)

[Artigo resumido e adaptado do capítulo “O Brasil no mundo” do livro A Construção Nacional 1830-89 (Objetiva, 2012)].



Jogo de interesses?

Existe um mito de que o Brasil e a Argentina, na Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança, foram instrumentos do capitalismo britânico, “Estados satélites”, “neocolônias”, instigados e manipulados por uma Grã-Bretanha “imperialista”, o “indispensável quarto Aliado”, para entrarem em guerra contra o Paraguai. Este seria um sólido mito nascido nos anos 1970 e 1980, nos textos de historiadores latino-americanos tanto da esquerda marxista quando da direita nacionalista. O alegado objetivo da Inglaterra era minar e destruir o modelo de desenvolvimento econômico conduzido pelo Estado, que representava uma ameaça ao avanço de seu modelo capitalista liberal na região. Mais especificamente, seu objetivo era abrir a única economia da América Latina que continuava fechada aos produtos manufaturados e aos capitais ingleses, e assegurar à Inglaterra novas fontes de matérias-primas, em especial o algodão, já que o abastecimento dos Estados Unidos tinha sido afetado pela guerra civil.

Há pouca ou nenhuma prova concreta consistente que possa sustentar essa tese. O governo britânico não tinha praticamente nenhum interesse no Paraguai e nenhuma vontade de piorar as disputas existentes no Rio da Prata, e muito menos de promover a guerra, que iria apenas ameaçar vidas e propriedades inglesas e o comércio britânico. E, mesmo que quisesse, a Inglaterra não exercia o grau de controle sobre o Brasil ou sobre a Argentina que seria necessário para manobrá-los e levá-los à guerra contra o Paraguai. As autoridades britânicas, em sua maioria, estavam a favor dos aliados, mas a Inglaterra se manteve oficialmente neutra durante a guerra e utilizou de modo sistemático sua influência a favor da paz. É verdade que fabricantes britânicos vendiam armas e munições aos beligerantes – isto é, na prática, ao Brasil e à Argentina, visto que o Paraguai logo caiu sob bloqueio brasileiro. Mas eram negócios, oportunidades de os empresários na Inglaterra, na França e na Bélgica lucrarem com uma guerra. Também é verdade que o empréstimo de sete milhões de libras dos Rothschild ao governo brasileiro em setembro de 1865 foi utilizado para comprar navios de guerra, e neste sentido a Inglaterra deu uma contribuição importante para a vitória dos aliados sobre o Paraguai. Mas não houve qualquer outro empréstimo ao Brasil durante toda a guerra, e os empréstimos ingleses representaram apenas 15% do total de despesas do Brasil com a Guerra do Paraguai. A principal responsabilidade pela guerra coube ao Brasil, à Argentina, em menor grau ao Uruguai e, sobretudo – infelizmente –, ao próprio Paraguai